sexta-feira, 5 de abril de 2013

Proibição cumprimento regime menos gravoso crime hediondo DECLARADO INCONSTITUCIONAL STF

Ementa e Acórdão
19/02/2013 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 108.208 SANTA CATARINA
RELATOR :MIN. LUIZ FUX
PACTE.(S) :JACKSON LUIZ CAETANO
IMPTE.(S) :ALEXANDRE DE JESUS FERREIRA
COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, “D” E “I”. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. ORGANICIDADE DO DIREITO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33 DA LEI 11.343/06). PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. REGIME INICIAL ABERTO (ART. 33, § 2º, ALÍNEA C, DO CP). IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL MAIS SEVERO. INEXISTÊNCIA
DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 719-STF. VEDAÇÃO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE DIREITOS (ART. 44 DA LEI 11.343/06). INCONSTITUCIONALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO POR INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição Federal, sendo certo que o paciente não está arrolado em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. Deveras, mercê de incabível o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, é juridicamente possível a concessão da ordem de ofício.
2. O artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal determina que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.
3. “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Súmula 719).
4. In casu, o Superior Tribunal de Justiça concedeu parcialmente o writ lá impetrado para reduzir a pena cominada ao paciente para 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, fixando, todavia, o regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda, sob o único fundamento de ser esse o regime “mais adequado”, tendo em vista “a potencialidade destruidora do crack”.
5. Consoante destaca o Ministério Público, “não havendo registro de antecedentes, a pena aplicada (3 anos e 8 meses de reclusão), inferior a quatro anos, permite o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, ‘c’), porquanto o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC nº 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, Informativo nº 670)”.
6. O artigo 44 da Lei 11.343/06 foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 97.256, Relator o Ministro Ayres Britto, DJ de 01.09.10, que afastou o óbice à conversão da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos na hipótese de condenação pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e determinando ao Juízo processante que procedesse ao exame dos requisitos objetivos e subjetivos necessários à obtenção da benesse.
7. Habeas corpus extinto por inadequação da via processual eleita e concedida ordem de ofício, ex officio, para fixar o regime aberto para o início do cumprimento da pena e para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, determinando ao Juízo que avalie os requisitos necessários à conversão da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos.

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em julgar extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual, e, por maioria de votos, em conceder a ordem, de ofício, para fixar o regime aberto para o início do cumprimento da pena e delegar ao juízo a quo a avaliação dos requisitos necessários para conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem em menor extensão, apenas para admitir a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tornando inalterado o regime de cumprimento da pena.
Brasília, 19 de fevereiro de 2013.
LUIZ FUX – Relator


19/02/2013 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 108.208 SANTA CATARINA
RELATOR :MIN. LUIZ FUX
PACTE.(S) :JACKSON LUIZ CAETANO
IMPTE.(S) :ALEXANDRE DE JESUS FERREIRA
COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de JACKSON LUIZ CAETANO, contra acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, sintetizado na seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE POUCO ACIMA DO MÍNIMO. REGULARIDADE. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO DA MINORANTE EM UM SEXTO. FALTA DE PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DA PENA PELA METADE. ESTABELECIMENTO DE REGIME PRISIONAL DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CABIMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
1. É possível a fixação da pena-base em número um pouco acima do mínimo legal, desde que a decisão esteja concretamente fundamentada, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Código Penal. Na espécie, em razão da elevada culpabilidade, estabeleceu-se a pena-base em cinco anos e seis meses e setecentos dias-multa. No ponto, não há falar em desarrazoamento.
2. De acordo com a jurisprudência, no que tange aos critérios para escolha da fração prevista no § 4º do art. 33, se o legislador não forneceu especificamente os requisitos para fixação do quantum da diminuição, impõe-se a observância das circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal, bem como, e com preponderância, as dispostas no art. 42 da Lei Antidrogas. Assim, a pequena quantidade de droga apreendida, aliada aos demais elementos do caso concreto, poderá atuar como parâmetro para definir o grau de redução. 3. No caso, faltou proporcionalidade à decisão ao aplicar o redutor previsto no mencionado § 4º. Conquanto apreendidas 29 pedras de crack embaladas e outras 40 por embalar, perfazendo um total de 21,7g, em razão das circunstâncias favoráveis reconhecidas na origem (primariedade, bons antecedentes, sem notícia de dedicação a outras atividades ilícitas e ausência de indicação de participarem de organização criminosa) é viável a redução da pena em um terço (1/3), e não no mínimo estabelecido na origem. Esse conjunto de fatores justifica a aplicação de redutor mais condizente com a realidade posta.
4. Ressalva do entendimento do Relator que, considerando a quantidade de pena aplicada – três anos e oito meses de reclusão –, a primariedade e os bons antecedentes dos pacientes, concluiu pelo estabelecimento do regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade.
5. Ordem parcialmente concedida para reduzir a pena aplicada aos pacientes a três anos e oito meses de reclusão e quatrocentos e sessenta e sete dias-multa, bem como a fim de estabelecer o regime semiaberto para o início do cumprimento
da reprimenda.”
O paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33 da Lei 11.343/06 c/c o artigo 180 do Código Penal (tráfico de entorpecentes c/c receptação) e absolvido em primeira instância por insuficiência de provas. Irresignado, o Ministério Público apelou e o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina deu provimento ao recurso para condenar o paciente a 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão pela prática do crime de tráfico de drogas, na forma minorada (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06).

A defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, requerendo a redução do quantum da pena, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos.
A Sexta Turma do STJ concedeu parcialmente a ordem “para reduzir a pena aplicada ao paciente a três anos e oito meses de reclusão e quatrocentos e sessenta e sete dias-multa, bem como a fim de estabelecer o regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda”.
Neste writ, a defesa alega que o paciente faz jus à fixação do regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal, bem como à substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos. Colaciona julgados desta Corte favoráveis à sua pretensão.
Requer a concessão de medida liminar a fim de assegurar o início do cumprimento da pena no regime aberto ou, alternativamente, a substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos.
Ao apreciar a medida liminar, verifiquei que essa “confunde-se com o próprio mérito da impetração, ganhando inadmissíveis contornos satisfativos” e a indeferi em decisão assim ementada:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO
DE DROGAS (ART. 33, § 4º, LEI Nº 11.343/06). SUBSTITUIÇÃO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE
DIREITOS. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO.
REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA
ESTREITA DO WRIT. AUSÊNCIA DO FUMUS BONI JURIS.
LIMINAR INDEFERIDA.”

O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem, sob os seguintes fundamentos:
(…)
4. Não havendo registro de antecedentes, a pena aplicada (3 anos e 8 meses de reclusão), inferior a quatro anos, permite o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”), porquanto o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC nº 111840/ES, rel. Min.
Dias Toffoli, Informativo nº 670).
5. No mais, não subsiste mais a vedação à substituição da pena privativa da liberdade por penas restritivas de direitos, tendo em vista a decisão tomada pelo Plenário no HC 97.256/RS ( Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.09.2010), que declarou ‘a inconstitucionalidade da expressão ‘vedada a conversão em penas restritivas de direitos’, constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão ‘vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos’, contida no também aludido art. 44 do mesmo diploma legal.”
É o relatório.

Voto - MIN. LUIZ FUX
19/02/2013 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 108.208 SANTA CATARINA

V O T O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Preliminarmente, verifica-se que a competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição Federal, verbis:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da
União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.”
In casu, o paciente não está arrolado em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição originária desta Corte.
A ementa do acórdão proferido na Pet 1738-AgR, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, Dje de 1º.10.99, é elucidativa e precisa quanto a taxatividade da competência do Supremo Tribunal Federal:
“E M E N T A: PROTESTO JUDICIAL FORMULADO
Voto - MIN. LUIZ FUX

CONTRA DEPUTADO FEDERAL - MEDIDA DESTITUÍDA DE CARÁTER PENAL (CPC, ART. 867) - AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
A PRERROGATIVA DE FORO – UNICAMENTE INVOCÁVEL NOS PROCEDIMENTOS DE CARÁTER PENAL - NÃO SE ESTENDE ÀS CAUSAS DE NATUREZA CIVIL.
- As medidas cautelares a que se refere o art. 867 do Código de Processo Civil (protesto, notificação ou interpelação), quando promovidas contra membros do Congresso Nacional, não se incluem na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, precisamente porque destituídas de caráter penal. Precedentes.
A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
- A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República.
Precedentes.
O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d). Precedentes.” Afigura-se paradoxal, em tema de direito estrito, conferir interpretação extensiva para abranger no rol de competências do Supremo Tribunal hipóteses não sujeitas à sua jurisdição. A prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deve conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional contrasta com os meios de contenção de feitos, remota e recentemente implementados - Súmula Vinculante e Repercussão Geral -
com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, da nobre função de guardião da Constituição da República.
E nem se argumente com o que se convencionou chamar de jurisprudência defensiva. Não é disso que se trata, mas de necessária, imperiosa e urgente reviravolta de entendimento em prol da organicidade do direito, especificamente no que tange às competências originária e recursal do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar habeas corpus e o respectivo recurso ordinário, valendo acrescer que essa ação nobre não pode e nem deve ser banalizada a pretexto, em muitos casos, de pseudonulidades processuais com reflexos no direito de ir e vir.
A propósito da organicidade e dinâmica do direito, impondo-se a correção de rumos, bem discorreu o Ministro Marco Aurélio no voto proferido no HC n. 109.956, que capitaneou a mudança de entendimento na Segunda Turma, verbis:
“O Direito é orgânico e dinâmico e contém princípios, expressões e vocábulos com sentido próprio. A definição do alcance da Carta da República há de fazer-se de forma integrativa, mas também considerada a regra de hermenêutica e aplicação do Direito que é sistemática. O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea ‘a’, e 105, inciso II, alínea ‘a’, tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição.
Cumpre implementar – visando restabelecer a eficácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.”
Todavia, existe, no caso, excepcionalidade que justifica a concessão, ex officio, da ordem. A controvérsia dos autos refere-se à possibilidade, ou não, da fixação de regime inicial semiaberto para o cumprimento de pena privativa de liberdade inferior a 4 (quatro) anos cominada em razão da prática do crime de tráfico de entorpecentes, bem como à constitucionalidade, ou não, da vedação da substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos.
O artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal determina que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.
A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Súmula 719).
In casu, o Superior Tribunal de Justiça concedeu parcialmente o writ lá impetrado para reduzir a pena cominada ao paciente para 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, fixando, todavia, o regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda, sob o único fundamento de ser esse o regime “mais adequado”, tendo em vista “a potencialidade destruidora do crack”. Transcrevo o seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro Haroldo Rodrigues, divergindo do voto do Ministro Celso Limongi, Relator do writ, que fixava o regime inicial aberto:
“Sra. Ministra Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro Relator, no tocante à redução da pena, para conceder parcialmente a ordem e fixar a reprimenda em 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Em relação ao regime inicial de
cumprimento da pena, peço vênia ao ilustre Relator para divergir de seu voto por entender que, no caso concreto, o regime semiaberto mostra-se mais adequado. Reconheço que as ponderações do Ministro Og Fernandes são muito relevantes e acrescento que o problema do crack não é só em São Paulo, mas no Brasil todo, inclusive nas pequenas cidades do interior do Ceará. O crack está hoje disseminado em toda a parte.
Dessa forma, seguindo orientação desta Turma, acompanho, em parte, o voto do Relator apenas para reduzir a pena imposta para 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, mais 460 dias-multa. No tocante ao regime prisional, pedindo vênia Ministro Celso Limongi, penso que o semiaberto é que se mostra mais adequado ao caso em análise.” (Sem grifos no original)
Transcrevo, ainda, as “ponderações do Ministro Og Fernandes” a que se refere o Ministro Haroldo Rodrigues em seu voto:
“Sra. Ministra Presidente, há potencialidade destruidora do crack, notadamente na sua cidade, Sr. Ministro Celso Limongi.
Outra noite, estava a ver, ainda nesta semana, na televisão, a história da Cracolândia. Temos uma multidão de desvalidos, de pessoas extremamente doentes, com uma possibilidade de recuperação incerta demais, porque, além de faltar os meios assistenciais, a capacidade dessa droga de provocar dependência é terrível.
Penso que temos que refletir um pouco a respeito dessa realidade brasileira extremamente perversa. Aquela rua absolutamente lotada de pessoas, todas consumidoras da droga. Isso me convence da necessidade de uma postura ativa em relação a isso.”
Destarte, tendo em vista a quantidade de pena aplicada, a primariedade do paciente e o reconhecimento, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, de circunstâncias judiciais favoráveis, impõe-se a fixação do regime inicial aberto.
Por outro lado, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 97.256, Relator o Ministro Ayres Britto, DJ de 01.09.10, declarou a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei 11.343/06, afastando o óbice à conversão da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos na hipótese de condenação pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e determinando ao Juízo processante que procedesse ao exame dos requisitos objetivos e subjetivos necessários à obtenção da benesse. Eis o teor da ementa:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO

INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fatotipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídicopositiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivoressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991.
Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.”
Ex positis, julgo extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual, mas, ante a excepcionalidade do caso, concedo parcialmente a ordem, ex officio, para fixar o regime aberto para o início do cumprimento da pena e para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, determinando ao Juízo processante ou, se for o caso, ao Juízo da execução penal, que avalie os requisitos necessários à conversão da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos.




19/02/2013 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 108.208 SANTA CATARINA

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, apenas uma ponderação: quanto à segunda parte, acompanho Vossa Excelência, porque o Plenário já glosou, por inconstitucional, a regra proibitiva da substituição da pena restritiva da liberdade pela restritiva de direitos e creio que o Senado suspendeu a execução do preceito.
Então, nessa parte, acompanho Vossa Excelência. Agora, quanto ao regime de cumprimento da pena, o que observamos no artigo 33 do Código Penal? Observamos patamares. Se a pena é fixada acima dos oito anos, necessariamente o regime é o fechado;
se estabelecida, quanto à não reincidente, entre quatro e oito anos, poderá
o regime ser semiaberto. Se o condenado não reincidente tiver a pena fixada em quantitativo inferior a quatro, poderá, desde o início, cumprir a pena no regime aberto – que é o regime pretendido.
No caso, o que houve? As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal mostraram-se negativas, atraindo a incidência do § 3º do 33 em comento, a revelar que:
A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância das circunstâncias judiciais.
A pena-base foi fixada seis meses acima da mínima prevista para o tipo. Por isso, as instâncias anteriores – inclusive o Superior Tribunal de Justiça, que poderia também ter modificado o título judicial condenatório nessa parte, mas não o fez – atentaram para a regência da matéria.
Então, extingo o processo, acompanhando Vossa Excelência, como o fizeram os dois colegas, e concedo a ordem de ofício, para ser apreciada a substituição, não alterando a definição do regime.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE E RELATOR) -
É. Eu alterei o regime, apenas porque é o único fundamento do regime.
Ele foi reduzido à pena de três anos e oito meses.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Causa de diminuição.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE E RELATOR) - E o único fundamento do regime foi que a potencialidade do craque é destruidora. Eu não entendi que isso tenha sido uma motivação suficiente.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Porque o artigo 59 do Código Penal refere-se às consequências do crime. É um ponto de vista.




Decisão de Julgamento


PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 108.208
PROCED. : SANTA CATARINA
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
PACTE.(S) : JACKSON LUIZ CAETANO
IMPTE.(S) : ALEXANDRE DE JESUS FERREIRA
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA

Decisão: Por unanimidade, a Turma julgou extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual. Por maioria de votos, concedeu a ordem, de ofício, para fixar o regime aberto para o início do cumprimento da pena e delegar ao juízo a quo a avaliação dos requisitos necessários para conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem em menor extensão, apenas para admitir a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tornando inalterado o regime de cumprimento da pena.
Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. 1ª Turma, 19.2.2013. Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de
Almeida.

Carmen Lilian Oliveira de Souza
Secretária da Primeira Turma

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