segunda-feira, 22 de julho de 2013

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

 

Ao longo da história do direito no mundo um dos pontos de principal discussão doutrinária, com rica fonte de pesquisas e de fundamental importância para a estruturação da moderna ideia de Estado de Direito, são os princípios constitucionais fundamentais. Porém, o que são os princípios? Os princípios são dotados de normatividade? Os princípios são regras, normas ou algo distinto? Qual a importância do princípios no direito? Quais suas funções? No Brasil, quais os chamados princípios constitucionais fundamentais? A presente análise se propõe a responder de forma clara e precisa estes e outros questionamentos a respeito da ideia de princípios.

 

I – Princípio, “mandamento nuclear de um sistema”

A ideia acerca do que atualmente se denomina princípio sofreu ao longo das eras, por diversos movimentos, distintas conceituações. Destacaram-se, entretanto, alguns desses conceitos frente aos outros, como o do positivismo ortodoxo, que – em contraposição ao defendido pela tese jusnaturalista de que os princípios eram conjuntos de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana – afirmara que à fonte dos princípios eram as normas. Entretanto, tais teses (superadas), sofrem por serem constituídas, assim como suas correntes fundadoras, de alto teor ideológico e extremista, além de não considerarem o fator marcante e determinante do conceito moderno de princípio: a normatividade. De fato, os princípios são normas generalíssimas de aplicação imediata, se constituindo como o alicerce de um sistema, dando-o racionalidade e harmonia. Os princípios são verdades jurídicas universais, e, assim sendo, são consideradas normas primárias, pois são o fundamento da ordem jurídica, enquanto que as normas que dele derivam possuem caráter secundário. Ainda, os princípios são normas que, por possuírem alto grau de generalidade se diferem das regras, que também são normas mas não têm nível elevado de generalidade. A partir do exposto acima, percebe-se que as regras e princípios são, de fato, uma subdivisão das normas, sendo que as que possuem grau de abstração mais elevado são os princípios, enquanto as com menor grau são as regras.

Ao surgirem, os princípios eram gerais em relação ao direito, mas com a evolução deste, o surgimento da idéia de Estado de Direito e, como marco histórico, o advento da primeira Constituição em sentido formal – pelos Estados Unidos da América, no ano de 1787 – os princípios foram cada vez mais se consolidando e ganhando maior densidade jurídica, ao passo que ao ganharem o status de constitucional, passaram a se constituir de fato e de direito como a chave de todo o sistema normativo, suas normas-chaves e supremas, das quais todas as demais normas se fundam e nas quais buscam legitimação. Passaram, portanto, a partir da Constituição dos Estados Unidos de 1787, ase constituírem como Princípios Constitucionais Fundamentais. Tais se dividem, segundo o mestre constitucionalista José Afonso da Silva, em: princípios político-constitucionais e princípios jurídico-constitucionais. Os princípios político-constitucionais são o que Carl Schimitt denominou de “decisões políticas fundamentais”, normas-princípios – normas fundamentais de que derivam logicamente as demais normas particulares –, determinam a particular forma política de uma nação, são os princípios constitucionais fundamentais. No direito brasileiro tais princípios se encontram enumerados do artigo 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988.Por outro lado, os princípios jurídico-constitucionais são os princípios gerais encontrados em uma ordem jurídica, a exemplo do princípio de liberdade, de supremacia da Constituição, entre outros, sendo objeto de estudo da Teoria Geral do Direito Constitucional. Sinteticamente, pode-se definir os princípios constitucionais fundamentais como princípios que visam dar a definição e características ao Estado e à sociedade política, enumerando os principais órgãos político-constitucionais, sendo, portanto, a síntese de todas as demais normas constitucionais. Na constituição brasileira de 1988 tais princípios se sintetizam, segundo o professor José Afonso, da seguinte forma:

 

“princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado (...) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes (...) princípios relativos à organização da sociedade (...) princípios relativos ao regime político (...) princípios relativos à prestação positiva do Estado (...) princípios relativos à comunidade internacional” (Silva, 2008, p. 94)

 

II – Princípios Constitucionais Fundamentais do Brasil

A Constituição Federal do Brasil de 1988, estabelece em seu Título I – Dos

 

Princípios Fundamentais – os Princípios Constitucionais Fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, os quais serão detalhados abaixo.

a) República Federativa do Brasil 

O artigo 1º da Carta Magna vigente no Brasil afirma, verbis:

 

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)”

 

Assim, percebe-se que o Estado brasileiro é Democrático de Direito(analisado no tópico “f”), se constituindo como uma República Federativa. Para que possamos adentrar nas especificações relativas à forma de governo e de Estado do Brasil, faz-se necessária uma compreensão sintética do que se constituí como Estado. Estado surge com a autodeterminação de um povo, dentro de um território, tendo independência em relação aos demais Estados. Desse conceito sintético podemos extrair alguns dos principais elementos caracterizadores do Estado, o poder soberano, o povo e o território, estando todos regulados pela constituição vigente. O termo República Federativa, possui dois valores determinantes e que o caracterizam, o Federalismo, como forma de Estado, e a República, como forma de governo, os quais serão analisados a seguir.

O Federalismo, surgiu com a Constituição Americana de 1787, sendo adotado no Brasil a partir do ano de 1889, com a proclamação da República. A federação é a unidade organizacional desta forma de Estado, sendo uma união de coletividades regionais autônomas, os Estados Federados. O Estado Federal brasileiro é composto, como se extrai do caput do art. 1ºda Constituição de 1988, “pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal”. O Federalismo no Brasil possui um traço distintivo dos demais no restante da comunidade internacional, que é sua configuração tripartida, onde se observa a figura da União – único titular da soberania –, dos Estados e dos Municípios, a introdução do Município como um ente dotado de autonomia representa uma inovação apresentada pela Constituição de 1988.

             

Importante destacar, ainda, que por estabelecimento da Constituição Federal brasileira, “a forma federativa de Estado” é uma cláusula pétrea, sendo, portanto, núcleo imodificável da Constituição, com fulcro no artigo 60, parágrafo 4º, inciso I, o que possui como consequência que proposta de emenda que vise abolir essa forma de estado não pode ser sequer objeto de deliberação. Por fim, a autonomia que tais entes federados possuem é relativa, posto que devem observar, quando do exercício da autonomia, as disposições previstas na Carta Magna brasileira, a Constituição Federal de 1988.

República, fora conceituada de forma substancial pela primeira vez pelo grande filósofo Aristóteles, que o colocava como “governo em que o povo governa no interesse do povo”, posteriormente fora teorizado por outro importante pensador, Maquiavel, que o admitia como sendo “governo caracterizado pela eletividade periódica do chefe de Estado”. No Brasil, tal forma de governo surgiu paralelamente à ideia de Federação, na Constituição de 1989.O grande mestre do Direito Constitucional, J. J. Gomes Canotilho, ao caracterizar a forma republicana de governo apresentou as suas características marcante, que são:

 

“radical incompatibilidade de um governo republicano com o princípiomonárquico e com os privilégios e títulos nobiliárquicos (...) exigência deuma estrutura política-organizatória garantidora das liberdades cívicas e políticas. (...) a forma republicana pressupões um catálogo de liberdades ondese articulam intersubjectivamente a liberdade dos antigos (direito de participação política) e a liberdade dos modernos (direito de defesaindividuais). (...) legitimação do poder político baseada no povo (...) A“forma republicana de governo” recolhe e acentua a idéia de “antiprivilégio”no que respeita à definição dos princípios e critérios ordenadores do acesso àfunção pública e aos cargos públicos.” (Canotilho, 1998, p. 224/225)

 

b) Fundamentos do Estado Brasileiro

Encontram-se enumerados no artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, nos incisos I ao V,

litteris:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

 

             

Assim, percebe-se que o Estado brasileiro possui como fundamentos: asoberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa e, por fim, o pluralismo político.

 

A Soberania, para que exista em um Estado é necessário que hajaauto determinação e autogoverno, com a presença de outros dois elementos fundamentais: o poder político supremo, ou seja, poder que não está subordinado por nenhum outro na ordem interna, e a independência, que significa que na ordem internacional o Estado não precisa se subordinar a regras que não sejam por este voluntariamente aceitas, estando, ainda, em patamar de igualdade com os poderes soberanos dos outros povos.

 

A Cidadania, é o princípio que qualifica o indivíduo como membro pertencente da vida do Estado, reconhecendo-o como pessoa que está de forma fundamental integrado à sociedade estatal, influenciando de forma mediata e imediata em sua configuração e funcionamento.

 

A Dignidade da Pessoa Humana, se refere ao valor supremo moral e ético, que leva consigo a síntese de todos os direitos fundamentais inerentes ao homem. É o mínimo inviolável, invulnerável, do indivíduo, que deve estar presente em todos os estatutos jurídicos. “A dignidade da pessoa humana (...) significa (...) o reconhecimento do homo no umenon, ou seja, o indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.” (Canotilho, 1998, p. 221)

Os Valores Sociais do Trabalho e da Iniciativa Privada, é um fundamento da ordem econômica, que defende a principal característica do capitalismo, que é a iniciativa privada. Entretanto, tal princípio faz ressalva substancial, referente ao fato de que, mesmo sendo a sociedade brasileira claramente capitalista, a ordem econômica prioriza os valores sociais do trabalho humano sobre todos os demais valores de economia de mercado.

 

O Pluralismo Político, este princípio decorre da própria organização da sociedade moderna, que se caracteriza por ser pluralista em sua constituição social, econômica, cultural, política e etc. Assim, o pluralismo político visa garantir a ampla participação popular nos destinos políticos do país.

c) Objetivos Fundamentais do Estado brasileiro  

São enumerados na Constituição de 1988 no artigo 3º, verbis:

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Essa se configura como mais uma das inovações da Constituição de 1988, pois foi a primeira vez que uma Constituição brasileira fez a enumeração de seus objetivos fundamentais. Tais objetivos visam, na realidade, estabelecer a concretização da democracia econômica, social e cultural, efetivando o princípio da dignidade da pessoa humana.

d) Poder e Divisão de Poderes

O artigo 2º da Constituição brasileira de 1988, que enuncia

 

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”, estabelece o princípio da divisão dos poderes, consagrado historicamente, estudado por diversos pensadores, teorizado de forma cabal pelo grande filósofo iluminista o Barão de Montesquieu. Hoje é considerado um princípio fundamental do direito constitucional. Inicialmente, cabe-nos fazer uma breve consideração acerca da denominação dada à este princípio: Divisão de Poderes. Entendemos que esta denominação, por mais que majoritariamente aceita, se demonstra equivocada, posto que dá a ideia de uma fragmentação do poder do Estado, que como é notório este é uno, indivisível. Ainda, o professor J. J. Gomes Canotilho refere-se a tal princípio como “separação de poderes”. Tal denominação nos parece mais adequada, posto que não traduz a ideia de quebra do poder indivisível e uno do Estado. Porém, ainda não se encaixa perfeitamente no que representa o princípio em tela – que é (sinteticamente) a separação para órgãos especializados das funções de legislar, aplicar o direito e executar a lei em observância a cada caso concreto – parecendo-nos, assim, mais adequado denominá-lo sob a nomenclatura de Princípio da Separação de Funções. A ideia de poder, segundo a ótica do professor José Afonso, surge em torno  

deste ser uma energia capaz de coordenar e impor determinadas decisões, para que certos fins sejam alcançados. O poder específico ao Estado é o poder político, hierarquicamente superior à todos os demais poderes de ordem social. Tal poder é caracterizado por possuir diversas funções e órgãos especializados em dar-lhes concretude, chamados de Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário A função legislativa, consiste, fundamentalmente, na edição de leis. A função executiva, visa resolver os problemas concretos e individualizados, em observância à lei, mas não se limitando a simples execução destas. A função jurisdicional, se sintetiza na aplicação do direito aos casos concretos com a finalidade de dirimir os conflitos de interesses. Caso não ocorresse tal separação, ou seja, se as funções fossem exercidas por um órgão apenas teríamos a concentração de poderes.A partir do artigo 2º, da Constituição, extraem-se os principais fundamentos da separação de funções no Brasil, ao asseverar “independentes e harmônico entre si”. A independência mencionada traduz-se no fato de que cada órgão é, de fato e de direito, independente dos demais, não havendo meios de subordinação, sendo, portanto, essencialmente orgânica. Finalmente, a harmonia se relaciona com diversos fatores, dentre os quais destacamos três: deve existir cortesia e respeito no tratamento mútuo do órgãos, a separação entre as funções não deve ser total, absoluta, e é necessário que haja um sistema de “freios e contrapesos”, para estabelecer o equilíbrio (harmonia) entre o exercício do poder por cada órgão.

e) Princípios de Regência das relações internacionais da República Federativa do Brasil 

 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Dentre estes princípios se destacam os que demonstram a soberania do  

Estado brasileiro frente às demais nações e os aceitos em todo a comunidade internacional. O inciso X do artigo supra, “concessão de asilo político”, é ato de soberania estatal, consistindo no acolhimento de estrangeiros no território nacional, estes acolhidos são os que sofrem perseguição seja pelo seu próprio país ou por terceiro. Importante destacar, por fim, que a concessão não é obrigatória, se dá a partir da análise de cada caso e suas particularidades. F

) Estado Democrático de Direito Para se aproximar da conceituação deste instituto, devemos inicialmente passar por uma análise do que seria um Estado Democrático, com suas particularidades e de que se constitui o aclamado Estado de Direito. Porém, é importante que se ressalte, desde logo, que o conceito de Estado Democrático de Direito transcende a ideia destas duas forma acima.

 Estado Democrático, se baseia fundamentalmente no princípio da soberania popular, pelo qual o povo é titular do poder constituinte, é o ente que legitima todo o poder político. Configura-se, assim, a exigência que todas e cada uma das pessoas participem de forma ativa na vida política do país. No Brasil, o princípio da soberania popular se consagra através dos artigos1º, parágrafo único, e 14 da Constituição Federal,

in verbis:

 

Art. 1º Omissis Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.

 

A consagração do princípio da soberania popular se sintetiza na afirmativa “todo poder emana do povo”. Sendo que o exercício desta pode ser direto ou indireto. A forma indireta está ligada às eleições, se consagrando a ideia do sufrágio universal, pelo qual todos têm o direito – e dever também, preenchidos os requisitos exigidos por lei – de votar, sendo este direto, secreto e com valor igual para todos. O exercício direto pode ser feito através de “plebiscito, referendo e iniciativa popular”.

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 Estado de Direito, classicamente se resumia a ideia de existência de primazia da lei, divisão de poderes e pelo enunciado e garantia dos direitos individuais (autodeterminação da pessoa), não se confundindo com mero Estado Legal – pois neste inexiste compromisso com a realidade política, social, econômica e ideológica, se atendo única e exclusivamente com determinação do texto forma legal. Entretanto, com as exigências modernas do direito, tais características, por mais que permaneçam presentes, são insuficientes para definir o Estado de Direito. A atual ideia de Estado de Direito passa diretamente pela necessidade deste possuir algumas qualidades: estado de direito, constitucional, democrático, ambiental e liberal – restringindo a ação do Estado somente à defesa da ordem e segurança públicas. Nesta forma de Estado não é admissível a contradição entre as leis e medidas jurídicas do Estado e os princípios de justiça, como a igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. Ainda, por ser de direito, pode ser pensado como “Estado ou forma de organização político-estadual cuja atividade é determinada e limitada pelo direito.” (Canotilho,1999, p. 11). Como síntese do apresentado acima, o mestre Canotilho, aprofunda a visão de Estado de Direito ao afirmar que este deve ser de fato

 Estado Constitucional de Direito Democrático e Social Ambientalmente Sustentada

 

(Canotilho, 1999, p. 21). A partir do exposto, podemos sintetizar o Estado Democrático de Direito, apresentado no caput do artigo 1º da Constituição Federal do Brasil de 1988, como: Estado que deve reger-se por normas democráticas, assegurando a justiça social e fundado no princípio máximo da dignidade da pessoa humana, com eleições livres, periódicas e pelo povo, respeitando as autoridades públicas, os direitos e garantias fundamentais e o meio ambiente.

 

III – Considerações Finais Em observância ao apresentado acima, percebe-se que os princípios constitucionais fundamentais são normas primárias, que irradiam legitimidade para as demais regras (normas secundárias). São as decisões políticas fundamentais de Carl Schimitt. Fundamentais para qualquer ordenamento jurídico que possui como norma máxima a Constituição. Os princípios fundamentais são o mandamento nuclear de um sistema, de onde deriva o fundamento para o próprio direito positivo. Além dessa, “função fundamentadora”, se  

percebe sua função de orientar a interpretação das normas secundárias, servindo ainda para sanar quaisquer lacunas que venha a apresentar determinado ordenamento jurídico, não sendo esta, entretanto, a sua principal função. No Brasil, no texto constitucional, entre seus artigos 1º e 4º, se percebem diversos princípios, que servem tanto para determinar as relações internas como internacionais. Dentre estes destacamos o da soberania, da dignidade da pessoa humana, da divisão de poderes (separação de funções), do pluralismo político, dos valores sociais do trabalho e da iniciativa privada, entre outros. Por fim, todos estes princípios fundamentais garantidos na Constituição brasileira, presentes na República Federativa do Brasil, são fundamentais à configuração do Estado Democrático de Direito, sendo a função precípua da condensação de todos os princípios aqui apresentados a superação das desigualdades sociais, instaurando um regime democrático que realize a justiça social.

 

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

1.BONAVIDES, Paulo.

Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 22ª ed., 2008.2.CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Coimbra: Editora Livraria Almedina, 3ª ed., 1998.3.CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Estado de Direito.

Lisboa: Editora Gradiva, 1ª ed., 1999.4.MORAES, Alexandre de.

Direito Constitucional.

São Paulo: Editora Atlas, 23ª ed., 2008.5.SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo.

São Paulo: Malheiros Editora, 30ª ed., 2008

 

O TRANCAMENTO DA AÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O TRANCAMENTO DA AÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
 

Sumário: 1. Trancamento da ação penal: oportunidade e conveniência 2. Trancamento da ação penal: natureza jurídica e efeitos da decisão 3. Trancamento da ação penal: rejeição liminar da denuncia, artigos 394 e 395 do CPP 4. Projeto de Lei n. 156∕2009.
Palavras-chave (keywords): teoria geral do processo; justa causa; condições da ação; pressuposto processual; condições de admissibilidade da ação penal; rejeição liminar da denúncia; indeferimento da petição inicial; inépcia da denúncia; causa de pedir; possibilidade jurídica do pedido; matéria de ordem púbica; absolvição sumária; extinção da ação; liberdade de locomoção; habeas corpus.
 
1. Trancamento da ação penal: oportunidade e conveniência
 
Quando se fala em trancamento da ação penal estamos, na verdade, tratando do um efeito imediato e necessário de reconhecer-se que a ação penal não tem condições mínimas de prosseguir.
 
O juiz, verificando, desde logo, que falta a ação penal pressuposto processual ou alguma das condições da ação, ou que resta ausente justa causa para a persecução (CPP, artigo 395), proferirá decisão declarando a inexistência do elemento ou requisito essencial à ação penal e decretará a extinção do feito sem conhecimento do mérito, salvo nos casos em que reconhece a prescrição da pretensão punitiva do Estado, que se trata de matéria indireta de mérito, impossibilitando o Estado de aplicar a sanção penal pelo fato delituoso supostamente praticado e, ainda, quando reconhecer que o fato descrito na denúncia é atípico.
A decisão que declara que o feito criminal não reúne as condições mínimas de admissibilidade, não importa em provimento de natureza absolutório, portanto, quando o juiz analisa se estão presentes aqueles elementos antes citados já ao apreciar a inicial acusatória. Todavia, superada essa fase, com o recebimento da denúncia, só então poderá ocorrer absolvição sumária, nos termos do que dispõe a atual redação do CPP, artigo 397.
De qualquer forma, não sendo extinta a ação penal pelo juiz, devido à ausência de um ou mais daqueles elementos essenciais à persecução penal (CPP, artigo 395), o seu trancamento também poderá ser pleiteado através da impetração de habeas corpus (artigos 647 e 648, do Código de Processo Penal), e o mesmo pode-se dizer nas hipóteses de absolvição sumária, caso não decretada pelo juiz em face da demonstração inequívoca de uma das situações previstas pelo CPP, artigo 397.
 
Por outro lado, quando falamos em trancamento da ação penal em razão da ausência de condições mínimas para a ação penal ser admitida ou prosseguir, interessa notar que, assim é de se concluir pela analise lógica que decorre da Teoria Geral do Processo, com as diferenças que devem ser estabelecidas entre o Processo Civil e o Processo Penal.
Isso porque, nos dois ordenamentos processuais, regra geral, verificada a inviabilidade de prosseguimento da demanda respectiva, pela falta de preenchimento dos pressupostos de validade ou das condições da ação, o feito deverá ser extinto, já no seu nascedouro, e sem solução de mérito, ou mesmo até antes de proferida a sentença final, pela inobservância de regularidade formal a dar legitimidade, validade e existência ao processo e, consequentemente ao eventual provimento final. A dinâmica de tal solução é que obedecerá a técnica processual diferenciada conforme o fenômeno seja constatado no processo penal ou no processo civil.
 
No processo civil, ao que parece, o artigo 267 permite seja decretada a extinção do feito sem resolução de mérito, quando, por exemplo:
 
a) o juiz não receber a petição inicial, indeferindo-a;
b) quando for verificada a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; e,
c) quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.
Nos dois últimos casos (alíneas b e c), o parágrafo 3° do artigo 267 do Código de Processo Civil é expresso em autorizar que o juiz conheça daquelas matérias de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que não proferida a sentença de mérito.
Vê-se, pois, que os vícios de existência e regularidade formal do processo são de tal importância, que a própria normal processual possibilita que a qualquer tempo e mesmo de oficio, o juiz reconheça a inviabilidade da demanda, declarando a ausência do pressuposto processual ou condição da ação, decretando a sua extinção sem conhecimento do mérito, o que, por óbvio, implica no encerramento do processo judicial e seu arquivamento.
 
O processo penal, por sua vez oferece solução diversa, embora o resultado seja o mesmo, a extinção da ação penal sem resolução de mérito (salvo as hipóteses já referidas), ausentes aqueles pressupostos essências à ação penal ou pela falta das condições da ação ou ausência da imprescindível justa causa para a persecução penal, como decorre da leitura do artigo 395, do Código de Processo Penal, assim redigido, com as alterações da Lei n. 11.719/2008:
 
“Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – for manifestamente inepta;
II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Parágrafo único.  (Revogado)”.
 
Nas hipóteses elencadas pelo artigo 395, da norma processual penal, embora não seja textualmente mencionado, é evidente que se tratam as situações informadas pelos respectivos incisos, de causas de extinção do processo sem resolução de mérito (ou excepcionalmente, mesmo com conhecimento de mérito: prescrição, atipicidade do fato).
Logo, segundo pensamos, analisada a questão também sob a ótica da Teoria Geral do Processo, a solução que aqui se apresenta é a mesma daquela informada pela norma processual civil em seu artigo 267, parágrafo 3°, ou seja, constatado o vício de forma que inviabilize a formação válida da ação penal, é caso de decretação da extinção do feito e a qualquer momento (por tratar-se de matéria de ordem pública), desde que não proferida a sentença final, situação na qual, em tese, manifestação em tal sentindo deverá ser suscitada pelos recursos e instrumentos de defesa pertinentes (apelação, recurso especial, extraordinário ou eventualmente o habeas corpus e até mesmo a revisão criminal).
Muito embora a técnica utilizada pelo legislador processual penal seja aparentemente diversa da utilizada no processo civil, fato é que, tanto num caso como noutro, faltando pressuposto processual ou condição da ação, o processo não poderá ser considero regular e válido e, portando, a qualquer momento referida circunstância poderá ser declarada nos autos, mesmo que de ofício, por importar em matéria de ordem pública.
Especificamente no que respeita ao processo penal, no qual, relativamente a análise da viabilidade da persecução penal, além dos pressupostos processuais e condições da ação, exige-se também a análise, desde logo, ainda que de maneira superficial, da probabilidade de provimento condenatório, pela presença, em concreto (já num exame inicial do feito) da necessária justa causa para a ação penal (artigo 395, inciso III, c∕c artigo 397, do CPP) , não há como se chegar a conclusão diversa daquela preconizada pela norma processual civil, quanto a possibilidade de extinção da ação penal desde logo constatada a ausência daqueles elementos imprescindíveis a formação da relação processual válida e de regular provimento de mérito.
Tal afirmação parece mais razoável ainda se observado o artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal. Assim deve ser considerado, posto que, evidenciada hipótese de constrangimento ilegal pela ausência de justa causa para a coação na liberdade de locomoção do indivíduo, este poderá se utilizar da garantia do habeas corpus para fazer cessar o constrangimento ilegal e a qualquer tempo (mesmo após a sentença condenatória).
E, como sabemos a iminência ou simples ameaça de restringir a liberdade de locomoção decorrente da coação representada pela mera existência de persecução penal imotivada, possibilita, inclusive, o reconhecimento do constrangimento ilegal de ofício, se evidenciado no curso do processo, consoante determinação expressa do artigo 654, parágrafo 2° do Código de Processo Penal, cujo texto está assim escrito:
 
“Art. 654.  O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
 (………………………………………………………………………….)
§ 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”
 
2. Trancamento da ação penal: natureza jurídica e efeitos da decisão
Para tentar definir a natureza jurídica da decisão que determina o trancamento da ação penal, não há, uma vez mais, como deixar de fazer um estudo sobre o tema sem antes percorrer noções a partir da Teoria Geral do Processo. E assim pensamos que deve ser procedido, pois, na doutrina não se encontra farto material que possa desde logo dirimir a dúvida.
O que comumente se verifica pela larga maioria do conteúdo das decisões judiciais que trancam a ação penal, é que o juiz, analisando desde logo, ou seja, já no primeiro contato com a denúncia ofertada pelo Ministério Público, constata que a peça acusatória não preenche os pressupostos e condições mínimas exigidas pela norma processual penal para se instaurar validamente a ação penal (artigo 395 do Código de Processo Penal), decretando a extinção do feito sem mesmo provocar a instauração válida da persecução penal, com o chamamento do réu ao feito.
São casos nos quais numa análise sumária da denuncia verifica o juiz que à acusação falta algum pressuposto processual ou condição da ação ou, ainda, quando a peça acusatória não apresenta suporte fático e probatório que demonstre a viabilidade da ação penal, numa análise, em concreto, ainda que superficial, da presença de indícios mínimos de autoria do crime descrito na peça acusatória – da justa causa para a persecução penal -, sendo de rigor, em situações como estas, a extinção do feito já no seu nascedouro.
Nesse ponto, necessário, pois, segundo pensamos, traçar um paralelo entre o indeferimento da petição inicial do processo civil e a rejeição liminar da denúncia (a partir da analise dos elementos que lhe são comuns). Analisar o que de comum há entre a petição inicial e a inicial acusatória nos parece primordial ao estudo da natureza da decisão que determina o trancamento da ação penal e os efeitos dessa decisão que extingue a persecução penal antes mesmo que ela seja formalmente instaurada.
Sobre a semelhança existente entre essas duas peças iniciais, Edilson Mougenot Bonfim ao tratar dos requisitos formais da denuncia, de que trata o artigo 41 do Código de Processo Penal, chega a afirmar que, quanto a tais requisitos, também deve ser observado o artigo 282 do Código de Processo Civil, que são: partes, pedido e causa de pedi.
Segundo o autor, na inicial acusatória, a exposição do fato criminoso e todas as suas circunstâncias constitui-se na imprescindível causa de pedir (além da classificação do crime). Já a qualificação do acusado ou os elementos pelos quais se possa identificá-lo e, ainda, a identificação do órgão de acusação ou querelante, trata-se da qualificação e indicação das partes, que é de se exigir que a peça inicial contenha.
E, finalmente o pedido, que no processo penal é representado pelo requerimento de condenação do denunciado-acusado. Mas além destes requisitos formais, em se tratando da denúncia, por certo deverá ser evidencia um mínimo de plausibilidade da acusação, no cotejo com as provas que a instruem, sob pena de faltar-lhe a demonstração da justa causa para a ação penal.
Edilson Mougenot Bonfim aduz também que, “há de ser a peça acusatória redigida em vernáculo, contendo o devido endereçamento e o pedido de citação do réu para que integre o processo” (Curso de Processo Penal, São Paulo: Editora Saraiva, 5ª edição, pág. 188).
É inevitável, portanto, concluir que, também no processo penal, não preenchendo a inicial acusatória os requisitos necessários de que trata o artigo 41 do Código de Processo Penal, a solução que se apresenta é o seu não recebimento, logo, a extinção do feito sem qualquer resolução de mérito (tal como ocorre no processo civil).
 
No processo penal, esse fenômeno jurídico se convalida no trancamento da ação penal, que se expressa na rejeição liminar da inicial acusatória, nos termos do artigo 395, que, a rigor, se dá com a extinção da ação sem conhecimento do mérito, mesma solução que se encontra no processo civil.
 
Senão vejamos a disciplina de tais fenômenos nos dois ordenamentos processuais, como modo de melhor esclarecer o ponto a que aqui se propõe.
O artigo 395 do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei n. 11.719∕2008, prevê expressamente em que circunstâncias a denuncia ou a queixa poderão ser rejeitada.
 
Poderá, pois, o juiz rejeitar a inicial acusatória quando:
a) for manifestamente inepta;
b) pela ausência de pressuposto processual ou condição da ação;
c) falta justa causa para a ação penal.
 
E o artigo 396, caput, numa leitura a contrário sensu, autoriza o juiz a rejeitar a inicial acusatória, liminarmente, desde que caracterizada uma das circunstâncias previstas nos incisos I, II, III, do artigo 395.
 
O artigo 267 do Código de Processo Civil, por sua vez, autoriza o juiz a extinguir o processo, sem resolução de mérito, dentre outras situações, quando evidenciado, desde logo:
 
a) que é caso de indeferimento da petição inicial (artigo 295, do CPC: quando a inicial for inepta; a parte for manifestamente ilegítima; faltar interesse processual; dentre outras hipóteses);
b) quando faltar pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
c) ausência de qualquer das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de parte e interesse processual).
Nota-se, portando, que em termos de conteúdo decisório e repercussão no processo, tanto a decisão que rejeita a inicial acusatória, no processo penal, quanto à decisão que indefere a petição inicial no processo civil, são decisões que autorizam o juiz a decretar a extinção do processo sem apreciação de mérito.
 
Entretanto, como já afirmamos antes, no processo penal esse fenômeno se dá com o trancamento da ação penal, quando o juiz, ao verificar que a denuncia não preenche os requisitos formais do artigo 41 – inépcia da inicial acusatória -, ou faltou pressuposto processual ou condição para a ação, ou então, quando não demonstrada a justa causa da imputação apresentada contra o denunciado, rejeita liminarmente a inicial acusatória.
 
  3. Trancamento da ação penal: rejeição liminar da denuncia, artigo 395 do Código de Processo Penal
O artigo 395 do Código de Processo Penal autoriza o juiz a decretar a extinção da ação penal, o que equivale ao seu trancamento, já no seu início, nas hipóteses que prevê nos incisos I a III. Trata-se, na verdade, da rejeição liminar da denúncia (que antes era regulada pelo artigo 43 do CPP), na redação que lhe emprestou a Lei n. 11.719∕2008.
O artigo 395 afirma que a denúncia ou queixa serão rejeitadas nos seguintes casos:
 
a) quando a inicial acusatória for manifestamente inepta (inciso I): pode-se considerar a denuncia ou a queixa manifestamente ineptas quando lhe faltarem algum dos requisitos formais de que trata o artigo 41 do Código de Processo Penal, ou seja: qualificação e identificação do acusado; a descrição do fato delituoso com todas as circunstâncias e a classificação do crime e, ainda, o rol de testemunhas.
Desses elementos, não obstante a importância de todos para que a denuncia esteja formalmente em ordem, a descrição do fato delituoso e as circunstâncias em que foi cometido o delito (o tempo, modo e maneira de execução do delito), com a conseqüente individualização da conduta (já que crime é fato típico, antijurídico e culpável), tem importância de destaque, pois é a partir do conhecimento da imputação que ao acusado será possibilitado o contraditório e a ampla defesa, garantia consagrada pela Constituição Federal, artigo 5°, inciso LV).
Andrey Borges de Mendonça afirma que este é o núcleo da imputação, a sua causa de pedir e que, conseqüência dessa exigência, é que sejam evitadas denúncias genéricas, vagas e imprecisas, nas quais falte a individualização da conduta dos agentes criminosos, sob pena de serem consideradas ineptas, mesmo em se tratando de crimes societários (Nova reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Editora Método, 1ª edição, pág. 259).
 
Outros requisitos, tais como o endereçamento (que será definido pelas regras de competência previstas no artigo 69 e seguintes do Código de Processo Penal), a classificação do delito e o pedido de condenação, podem ser considerados elementos não essenciais, como também entende Andrey Borges de Mendonça (ob. cit., pag. 259) e, sua inobservância ou incorreta menção, poderá ser objeto de emenda, não importando, portanto, em indeferimento de plano da denuncia, já que são falhas supríveis. Aqui, sendo o caso, deverá ser utilizada por analogia a regra do artigo 284, do Código de Processo Civil, que autoriza a emenda da inicial pra suprir defeitos ou irregularidades capazes dificultar o julgamento da ação.
O mesmo autor citado ensina que, “a inépcia está ligada à não-observância de aspectos formais essenciais da peça acusatória (especialmente a descrição do fato com todas as suas circunstâncias e a qualificação do acusado)” (idem, ibidem).
Assim, segundo pensamos, somente poderia haver o trancamento da ação penal nesse caso, pela falta de requisito essencial à denúncia, devendo, nas demais situações, ser oportunizado à acusação suprir a falha ou a omissão antes que seja rejeitada liminarmente à inicial acusatória por inépcia.
 
b) quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal (inciso II): poderá ser rejeitada liminarmente a inicial acusatória, caso seja constatado, já numa analise preliminar, a ausência de pressuposto necessário ao desenvolvimento regular e válido do processo e das condições da ação penal.
 
O Professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves pontua quais são os pressupostos processuais de existência e validade necessários ao estabelecimento da regular relação processual (também para a relação processual penal), que podemos assim destacar, como sendo os de maior relevância, dentre outros mencionados pelo autor (Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, 7ª ed., págs. 99∕102):
  • capacidade postulatória, chamamento do réu ao processo (cujas irregularidades, podem, em tese, ser sanados, sem implicar na extinção do feito, desde logo);
  •  juízo competente e imparcial;
  •  capacidade de ser parte em juízo (atributo de quem tem capacidade para adquirir direitos e obrigações na ordem civil ou, na esfera penal, de quem é detentor do direito de punir – o Estado, representado pelo Ministério Público, ou da pessoa legalmente investida do direito de acusar, o Querelante -, de um lado, ou daquele que é detentor do direito de defender-se – o réu ou acusado;
  •  capacidade processual (ou capacidade de estar em juízo pessoalmente, independentemente de representação ou assistência – está relacionada, portanto, à pessoa física).
Marcus Vinicius Rios Gonçalves, fala também em pressupostos processuais negativos (ob. cit., pág. 102), ou seja, para a validade da relação processual será necessário a inexistência de litispendência (existência de ação idêntica àquela em andamento), a coisa julgada (existência de ação idêntica àquela já julgada) e a perempção (que no processo penal somente poderá dar-se em relação à ação penal privada nos casos do artigo 60 do CPP e que, segundo o artigo 107, inciso IV, do Código Penal, implica na extinção da punibilidade do querelado).
As condições para a ação, segundo tem dado destaque a doutrina, são três: legitimidade de agir, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Todavia, diversamente do que ocorre no processo civil, em que há certa concordância quanto aos três elementos acima propostos, no processo penal a matéria não é pacificada.
Porém, como afirma o Professor Andrey Borges de Mendonça (ob. cit., pág. 260), grande parte da doutrina se inclina para o entendimento de que:
  •  a possibilidade jurídica do pedido está relacionada à tipicidade da conduta delituosa descrita pela denúncia;
  •  a legitimidade, no processo penal, fica restrita ao Ministério Público quando se tratar de ação penal pública ou ao ofendido, no caso de ação penal privada, que, como deve ser, figuram no pólo ativo do feito; e, no pólo passivo da ação penal deverá figurar o autor da infração penal;
  •  o interesse de agir, representado pela (a) necessidade da prestação jurisdicional (que, no processo penal, se presume, já que o direito de punir do Estado somente poderá ser concretizado por meio da persecução penal), e pela (b) utilidade ou adequação da sentença de mérito (que não estará caracteriza se estiver prescrito o crime e, ainda, se presente outra causa extintiva da punibilidade).
c) faltar justa causa para o exercício da ação penal (inciso III): Segundo Edílson Mougenot Bonfim (ob. cit., pág. 191), essa hipótese autorizadora da rejeição liminar da denúncia não deveria ser autônoma, por entender que, na verdade, trata-se de condição genérica da ação penal, mas reconhecendo que a doutrina diverge a respeito, entendo alguns que também está caracterizada como condição autônoma ou mesmo como interesse de agir. Sobre a sua natureza, afirma o autor que justa causa para a ação penal “nada mais e do que a prova da materialidade e de indícios de autoria.
 
Por sua vez, Andrey Borges de Mendonça também reconhecendo a dissidência havida na doutrina, que ora confunde a justa causa para a ação penal com o interesse de agir, ora considerando-a com uma quarta condição da ação. Mas, na concepção do autor, na forma como a matéria foi disciplinada pela nova redação do artigo 395 do CPP, inciso III, acrescentando expressamente a justa causa como hipótese autônoma para a rejeição liminar da inicial acusatória (que não era prevista pelo antigo artigo 43 do CPP), melhor separá-la das condições da ação, para entender como ausência de justa causa para a ação penal nas situações em que “não houver um mínimo de lastro probatório para a acusação é que se deve falar em falta de justa causa”.
 
O referido autor ainda esclarece que, a atipicidade da conduta caracteriza a impossibilidade jurídica do pedido e a extinção da punibilidade relacionada ao interesse de agir (relacionando-se, de algum modo, segundo pensamos, ao mérito da ação penal). Assim, como o legislador expressamente tratou a falta de justa causa e as condições da ação de modo separado, não convém continuar confundindo os conceitos dando tratamento igual para institutos que a própria lei passou a considerar autônomos e destacados um do outro.
Parece-nos que, o melhor entendimento deverá ser firmado no sentindo de que, em razão do grave ônus imposto ao imputado ou denunciado, além da verificação do preenchimento dos requisitos formais pela inicial acusatória (artigo 41 cc. artigo 395, inciso I, do CPP) e dos pressupostos processuais e das condições para a ação penal (artigo 395, inciso II), não poderá prescindir o magistrado de constatar, em juízo de cognição sumária e no cotejo com as provas que instruem a denúncia, se a acusação contém um mínimo de viabilidade ou plausibilidade, nisso consistindo a análise da justa causa para a ação penal, sem que isso implique em indevida antecipação de juízo de mérito acerca da imputação.
 
Vale lembrar que, todas as hipóteses previstas pelo artigo 395 do Código de Processo Penal, de rejeição liminar da inicial acusação e, logo, da extinção da persecução penal sem resolução de mérito, culminando, pois, com o trancamento da ação penal, caso não acolhidas pelo juiz, dará ensejo a impetração de habeas corpus, já que restará configurada hipótese de constrangimento ilegal na forma como previsto pelo artigo 647 e 648 do Código de Processo Penal.
 
4. Projeto de Lei n. 156∕2009
O Projeto de Lei n. 156∕2009, que se encontra em trâmite no Congresso Nacional, no que diz respeito com o presente trabalho, propõe as seguintes alterações no Código de Processo Penal, conforme segue:
 
“Art. 258. A denúncia, observados os prazos previstos no art. 51, conterá a exposição dos fatos imputados, com todas as suas circunstâncias, de modo a definir a conduta do autor, a sua qualificação pessoal ou esclarecimentos plenamente capazes de identificá-lo, a qualificação jurídica do crime imputado, a indicação de todos os meios de prova que se pretende produzir, com o rol de testemunhas.
§1° O rol de testemunhas deverá precisar, o quanto possível, o nome, profissão, residência, local de trabalho, telefone e endereço eletrônico.
§2° Poderão ser arroladas até 8 (oito) testemunhas.”
 “Art. 260. Oferecida a denúncia, se não for o caso de seu indeferimento liminar, o juiz notificará a vítima para, no prazo de 10 (dez) dias, promover a adesão civil da imputação penal.”
 “Art. 263. Estando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, o juiz receberá a acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária ou de extinção da punibilidade, designará dia e hora para a instrução ou seu início em audiência, determinando a intimação do órgão do Ministério Público, do defensor ou procurador e das testemunhas que deverão ser ouvidas.
 Parágrafo único. O acusado preso será requisitado para comparecer à audiência e demais atos processuais, devendo o poder público providenciar sua apresentação, ressalvado o disposto no art. 73, §1°”.
 
Referência bibliografia:
Assis Moura, Maria Thereza Rocha de. Justa causa para a ação penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001
Bonfim, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, 5ª edição
Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, 7ª edição
Greco Filho, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, 3ª edição
Mendonça, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Editora Método, 2008
Tornaghi, Hélio. Curso de Processo Penal, volumes 1 e 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, 9ª edição
Tucci, Rogério Lauria Tucci. Teoria do Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003

quinta-feira, 11 de julho de 2013

NOVA PERSPECTIVA MORAL E ÉTICA PARA O DIREITO

NOVA PERSPECTIVA MORAL E ÉTICA PARA O DIREITO
 
1. INTRODUCÃO
O ser humano e a sua capacidade de racionalizar o seu entorno social e buscar soluções para os problemas que a sua própria existência traz, utiliza da sua capacidade que o torna único e ao mesmo tempo o mais complexo de todos os seres, a razão.
A razão é uma faculdade humana que possibilita estabelecer relações lógicas, ponderar e julgar. Mas, a razão deve ser utilizada também para encontrar a medida entre todas as coisas, depende assim, para sua correta e ampla utilização de um grande esforço humano, na medida em que, ao tempo que exige objetividade, necessita ainda, de subjetividade para compreender, mesurar e encontrar soluções mais apropriadas ás questões sociais que nos cercam. 
O homem, influenciado pelo pensamento iluminista, passou a entender a razão como um dom, uma grande descoberta, que nos permitiu sair da nossa vil qualidade de humano para nos tornar deuses oniscientes sobre todas as questões da vida e da convivência pacifica e harmônica com os demais seres da nossa espécie, utilizando-se do Direito para regulamentar tais relações. Mas, com o passar do tempo e diante da realidade atualmente vivenciada, a razão pura e simples, mostrou-se ser insuficiente para resolver os conflitos das relações estabelecidas entre os homens.
Hoje, diante da realidade social que vivemos de inseguranças e incertezas, onde a fronteira entre o que é moralmente correto ou incorreto não pode ser avistada com clareza, talvez seja o momento de repensar sobre a razão e como esta deve ser aplicada às questões que a sociedade enfrenta. É chegada à hora de perceber que ser humano é a melhor das nossas faculdades para compreender e solucionar problemas tão simplesmente humanos. E entender que a razão não deve nos afastar da qualidade humana que a nós é inerente, mas ser tão somente uma entre as tantas perspectivas que devem ser analisadas quando se constrói ou se aplica uma lei.
Emerge na sociedade atual a necessidade de uma nova moral, mas não uma simples mudança de princípios e normas morais, pois estes mudaram com o decorrer do tempo e da história e ainda assim não podemos dizer que as substituições morais avançaram ou estão em um nível superior. Não se pode afirmar que o progresso moral acompanha o progresso histórico que o homem foi capaz de produzir. Pois apesar do progresso histórico ter criado condições necessárias para o progresso moral, ao mesmo tempo afetou de maneira não propriamente positiva à sociedade do ponto de vista moral, pois não podemos afirmar que a sociedade está rumo a uma direção moralmente boa.
Necessitamos mais que do que a razão para solucionar os problemas morais do nosso tempo. Precisamos sim, de uma reconstrução de valores humanos, que associados às evoluções que o campo da ciência produz, contribuam para que as relações sociais sejam harmoniosas e pacíficas, recuperando assim, a capacidade de viver em coletividade e em prol de um bem-estar comum. Neste processo, devemos atentar ainda para a extrema importância de estabelecer normas jurídicas que estejam para além do mero formalismo, que atue em simbiose com a realidade sócio-econômica da sociedade e que correspondam aos anseios sociais de justiça, de equilíbrio sócio-econômico e de dignidade.
 
1.1. A ÉTICA E MORAL NA ATUALIDADE
De acordo com Vázquez (1984, p.12), ética é um conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral, melhor dizendo, é a teoria ou ciência do comportamento moral do homem em sociedade .
A ética parte de uma série de práticas morais, buscando determinar à essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes de justificação desses juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais, tendo ainda como função fundamental, explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando conceitos correspondentes.
Já a moral, segundo Vázquez (1984), surge da necessidade social dos indivíduos de interagirem em prol do bem comum de uma coletividade, podendo ser entendida também como um conjunto de normas e regras destinadas á regular as relações entre indivíduos de uma mesma comunidade. Mas a moral não é estática. É um fato histórico mutável e dinâmico que acompanha as mudanças políticas, econômicas e sociais e onde a existência de princípios absolutos se torna impossível.
Não se pode duvidar que a moral social da antiguidade, bem como a ética, é totalmente distinta do que se concebe na atualidade como sendo ético e moral. Mas, o que invariavelmente se mantém desde a pré-história até os tempos atuais, é a certeza que a moral social reflete a necessidade de ajuste do comportamento de cada membro aos interesses da coletividade.
Porém os interesses da coletividade, ou melhor, a moral dominante, passou a refletir os interesses exclusivos de uma determinada classe social, no caso, de uma classe detentora do poder econômico e que tem se mostrado como uma moral individualista e egoísta.
Essa moral dominante passou a ser disseminada a partir das relações sociais burguesas e evoluiu para a atual sociedade capitalista, cuja moral se apresenta cada vez mais individualista, e todas as relações são travadas a partir de uma óptica econômica, que maximiza os lucros em detrimento do bem-estar social, e, que se justifica por pensamentos filosóficos como uma moral superior .
 
1.2. A ÉTICA E O CAPITALISMO
No capitalismo, o Direito tem sido o principal instrumento para tornar possível a exploração do homem pelo homem, permitindo á classe dominante, impor, através das normas, uma moral para justificar e regular as relações de opressão e exploração humana, vista como racional e natural, e que estão alheias aos interesses humanos. Nesta óptica Vasquez afirma:
A superação deste desvio social e, portanto, a abolição da exploração do homem pelo homem e da submissão econômica e política de alguns paises a outros, constitui a condição necessária para construir uma nova sociedade na qual vigore uma moral verdadeiramente humana, isto é universal, válida para todos os seus membros, visto que terão desaparecido os interesses antagônicos que geravam a diversificação da moral. (VÁSQUEZ, 2004).
Não podemos dizer que o capitalismo apenas trouxe conseqüências ruins aos povos, muito pelo contrário, as revoluções e evoluções industriais, agrícolas, tecnológica, culturais e cientificas trouxeram a humanidade um sem fim de benefícios em todos os campos do bem-estar material. Mas tal prosperidade, por girar em torno principalmente do aspecto material, deixou a desejar quanto ao desenvolvimento do aspecto ético e espiritual, acarretando a destruição dos valores morais, bem como, deixando um imenso vazio existencial.
Para o professor Milton Santos (2004), as mudanças do século XX, que culminaram no fenômeno da globalização, geraram uma realidade perversa, sustentada por um sistema ideológico que tem no dinheiro e na informação a sua base. Isso porque, a informação, oferecida de forma manipulada á população é utilizada em função de interesses particulares e ao invés de esclarecer, confunde, pois, não se limita a noticiar o fato, mas interpretar a realidade para favorecer, muitas vezes, a um convencimento de interesses ocultos e alienantes. Já o dinheiro, revela sua face violenta ao tornar-se o centro da economia e ganhar uma autonomia em relação aos meios de produção pela especulação financeira.
Disto decorre, de acordo com Milton Santos (2004), que este novo mundo capitalista e globalizado, tem no dinheiro, na competitividade e no consumo a base das ações e relações humanas, razão pela qual, toda forma de compaixão cedeu espaço ao individualismo avassalador nas esferas econômicas, políticas e sociais.
Outro fator propulsor do comportamento extremadamente individualista apontado por Milton Santos foi a perda da influência da filosofia na formulação das ciências sociais, abrindo espaço á ciência essencialmente econômica, que constitui hoje a base de nosso sistema ideológico.
A moral individualista desenvolvida na sociedade capitalista fez com que os indivíduos perdessem a noção de bem comum. A idéia de felicidade passou a ser concebida sob o prisma essencialmente econômico, podendo ser alcançada através da aquisição de bens materiais. E assim, o homem passou a ser valorizado socialmente na medida diretamente proporcional dos seus bens.
A individualidade e a competitividade como regras de convivência entre as pessoas, o consumismo exacerbado, o privilégio da ciência econômica sobre as ciências sociais, o desemprego que gera o empobrecimento de um número cada vez maior de pessoas, a perda da capacidade de compaixão, entre outras características desenvolvidas pelo atual sistema capitalista, geraram um fenômeno característico do nosso tempo: Violência. Essa violência que a sociedade hoje padece é o resultado da soma desses valores e princípios elegidos pelo sistema ideológico dominante e que corrompe os valores e as virtudes morais humanas.
A violência é um dos maiores indicativos que a ideologia capitalista, que valoriza os bens materiais e a propriedade privada, perdeu o rumo do seu próprio desenvolvimento como sistema ético, econômico e político. A massa de excluídos socialmente apela para a violência como forma de se adequar a este sistema que valoriza o ter em detrimento do ser e os valores morais se perdem em meio a este novo dilema humano.
 
De acordo com Leonardo Boff (2003), a grande crise moral e ética que estamos vivendo na atualidade provoca uma grande tensão nas relações pessoais que tendem a organizar-se em torno dos interesses particulares e não em torno do direito e da justiça. Para ele:
Tal fato se agrava ainda mais por causa da própria lógica dominante da economia e do mercado que se rege pela competição, que cria oposições e exclusões, e não pela cooperação que harmoniza e inclui. (BOFF, 2003, p. 27).
Para compreender o problema dos valores morais e éticos, Boff relata a existência histórica de duas principais fontes norteadoras da moral e da ética na sociedade: Primeiro aponta as religiões, que tentam elaborar, apesar das diferenças intrínsecas a cada uma delas, um consenso ético mínimo capaz de manter a união entre a humanidade e que está mais próxima da população, principalmente das camadas econômicas mais baixas. Em segundo lugar indica a razão, que tenta estabelecer códigos éticos universalmente válidos, restritos ao ambiente acadêmico.
Mas para Boff (2003), essas duas principais fontes precisam, diante da atual crise moral, serem enriquecidas para corresponder as expectativas das demandas éticas da sociedade. Assim, para ganharem o mínimo de consenso se faz necessário compreender a essência da formação dos valores, que não está razão, mas na paixão, que é à base da existência humana, afirmando:
Afeto, emoção, numa palavra, paixão é um sentir profundo. É um entrar em comunhão, sem distância, com o tudo que nos cerca. Pela paixão captamos o valor das coisas. E o valor é o caráter precioso dos seres, aquilo que os torna dignos de serem e os faz apetecíveis. Só quando nos apaixonamos vivemos valores. E é por valores que nos movemos e somos. (BOFF, 2003, p. 30)
Alguns autores contemporâneos esclarecem que não só a razão, mas principalmente a emoção, tem um papel central na eleição de nossos valores. Assim, nosso processo de escolha não é essencialmente racional. A razão exerce um importante papel em nossas escolhas, mas não é a única variável no processo de decisão.
Compreende-se que o homem é moralmente movido em direção aos valores pela paixão, mas é também indispensável impor limites a esta para que o homem não se autodestrua. A razão exerce desta forma uma função limitadora, que proporciona à paixão, ordem, disciplina e direção. E juntas, paixão e razão, encontraram o equilíbrio e a justa medida na busca de uma ética ao mesmo tempo vigorosa e terna.
Mas a razão foi privilegiada em detrimento da paixão, e o saber trazido pela razão crítica foi posto a serviço do poder, e este usado como instrumento de dominação. A ética foi utilizada para justificar a normatização do homem, perdendo a capacidade de transcendência que lhe é própria e que permite ao homem sentir-se parte do todo e encontrar o sentido para sua existência e coexistência com os demais seres.
Para Boff (2003), a ética foi fragmentada em infindas morais, para cada profissão, para cada classe e para cada cultura, pela própria fragmentação da realidade e do saber. Por fim, acabou sendo dividida em ética dos interesses e ética dos princípios, sendo a primeira priorizada pelo atual sistema capitalista e por sua ideologia neoliberalista, assentada sobre a vontade de poder e de dominação, e, que por não conhecer limites, destrói a noção do bem comum e do bem estar social. E ainda acrescenta:
É notório que as sociedades civilizadas se construíram e continuam se construindo sobre duas pilastras fundamentais: a participação dos cidadãos (cidadania ativa) e a cooperação de todos. Juntas criam o bem comum. Mas este foi enviado ao limbo das preocupações políticas. Em seu lugar, entraram as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e de competitividade. A liberdade do cidadão é substituída pela liberdade das forças do mercado; o bem comum, pelo bem particular e a cooperação, pela competitividade. (BOFF, 2003, p.63)
De acordo com este pensamento, uma vez negada a participação e a cooperação surge o individualismo avassalador que impede a vigência dos direitos coletivos e a defesa dos interesses gerais e do bem comum. Desta forma aponta à necessidade do afeto, da compaixão, do cuidado, da responsabilidade e da solidariedade humana como mecanismos para tentar encontrar um novo caminho ético dentro deste caos social que vivenciamos e para minimizar as enormes diferenças econômicas e sociais.
Os nossos valores morais surgem a partir do momento que vemos no próximo a nossa própria imagem e assim somos capazes de perceber quais são as ações que desejamos que sejam praticadas em relação a esta pessoa. Essa capacidade de escolher os comportamentos morais desejáveis pode também chamada de compaixão, ou seja, a capacidade de entender sensivelmente o que é bom e o que é ruim, a capacidade de se pôr no lugar do outro individuo para o qual e sobre o qual temos obrigações e direitos.
A compaixão constitui um valor, e como tal deve integrar o rol de virtudes necessárias aos homens na recuperação da noção do bem comum e do bem-estar social. Há a imperiosa necessidade de viver um comportamento solidário, mas isso não significa apenas ter a capacidade de sofrer diante das angustias alheias, ou dar esmolas a quem dela necessita, mas ser dotado de uma compaixão libertadora e altruísta que permita reencontrar o equilíbrio social.
Para ajudar a encontrar esse equilíbrio social e a justa medida entre as paixões e a razão humana, o Direito se mostra como o instrumento mais apropriado, pois através dele podemos impor limites ao individualismo, atribuir responsabilidades aos indivíduos, normatizar comportamentos morais, enfim, regular toda e qualquer relação social. Ademais o símbolo da justiça, não coincidentemente, é a balança, o que nos leva a uma reflexão da função do direito dentro da sociedade.
 
1.3. A ÉTICA E AS PROFISSÕES JURÍDICAS 
Toda e qualquer profissão está estruturada por princípios éticos de atuação que se estabelecem de acordo com a especificidade de cada atividade. Nas profissões jurídicas estes princípios éticos possuem uma alta vinculação normativa por envolver questões de relevante interesse social, devendo o operador do direito atuar em conformidade com a realidade social que o cerca, preocupando-se não somente com o aspecto formal e estrutural da norma, mas principalmente com a sua aplicabilidade prática, fazendo com que os fins a que se propõe o Direito sejam alcançados, qual seja a justiça. Assim que:
Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução. O que se espera é uma solução atenta ás variegadas condições de cada caso concreto a que a lei interpretada se refere. (TELLES JUNIOR, 2001, p. 367, apud, ALMEIDA; CHRISTMANN, 2002, p. 81).
Azevedo (1999) exalta a relevância, o caráter político e o alcance social do trabalho dos operadores jurídicos, pois, para ele, nenhum segmento tem maior poder de pressionar o Estado e influenciar em sua ideologia para promover a realização da justiça social. A concepção burguesa de limite ao poder criativo do juiz, não coincide com a idéia de progresso social, pois, face os enormes problemas sócio-econômicos vividos pela sociedade, o formalismo jurídico não pode mais ser concebido. Disto, conclui que:
Diante da situação atual, degradante da condição humana, não pode a Ciência Jurídica repousar no formalismo conceitual, fechando os olhos á realidade. Quanto mais nesta apoiar-se, comprometendo-se com a realização da solidariedade humana, tanto mais autêntica será. Necessita a Ciência do Direito ultrapassar o puramente jurídico, auscultando o pulsar da vida, que está a reclamar nova configuração político-jurídica, inspirada pela ética da solidariedade, em que o homem reencontre o humano, em si e no semelhante, não obstante o clamor, orquestrado pela grande mídia, em favor de um neoliberalismo economicista, divorciado da moral, centrado no lucro e beneficio de poucos, em detrimento da maioria, falazmente identificado com a modernidade. Para que o jurista possa assumir posição consentânea com sua responsabilidade, no grave quadro que se configura, tem que ser capaz de ir além da formação positivista, que o quer operando como maquina de articulação e encadeamento de conceitos, em nome de uma inventada neutralidade cientifica de seu saber. ( AZEVEDO, 1999, p. 58).
O Direito está contido no âmbito da ética e aos seus profissionais incube a tarefa de dar a verdadeira e sábia compreensão ás leis para garantir, não somente a harmonia entre as normas e a realidade social, como a integração do Direito á ética. Ademais, ética é justiça. E, ao profissional do direito a luta pela justiça é a forma de trilhar o caminho ético.
 
1.4. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Almeida e Christmann (2002), afirmam que o Direito surge por meios de normas jurídicas e com base em Miguel Reale esclarece que a norma, inspirada pelos valores, é o modo pelo qual o Direito incide sobre os fatos da vida social. Assim, apontam as normas como frutos da relação entre fato e valor.
Na concepção de Miguel Reale descrito por Almeida e Christmann (2002), o homem é a fonte primária de todos os valores, pois é inerente a sua essência o pensamento crítico e valorativo daquilo que lhe é apresentado. Mas a noção de valor que o homem possui está estritamente ligada à noção de liberdade, pois o ato humano de valorar e escolher entre os diversos valores só é possível com o exercício da liberdade. E, nesta mesma linha de pensamento, defende:
 
Não haveria valor se não houvesse no ser humano a possibilidade de livre escolha entre as alternativas imanentes á problemática axiológica, nem poderíamos falar de liberdade, se não houvesse a possibilidade de opção e participação real dos valores e das valorações. (REALE, 1999, p. 196, apud ALMEIDA, 2002, p. 48).
Mas se a possibilidade de livre escolha na opção dos valores, entre as várias opções possíveis, levasse a uma conduta ética, teríamos que dizer também, que a opção por um comportamento individualista é legitimo e ético. Assim que, a liberdade de escolha por si só não garante um mundo ético. É preciso o mútuo respeito entre os seres humanos e as suas possibilidades de escolhas. E, é esse mútuo respeito que constitui o que hoje tem se apresentado como o valor que funda o novo direito: a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana se apresenta atualmente como o principio norteador do sistema ético. É ela que possibilitou o surgimento e desenvolvimento dos Direitos Humanos dentro do regime democrático para a conquista de uma nova ordem internacional justa e solidária, estabelecendo os limites éticos ás ações humanas.  
Para Tugendhat (1996), a defesa dos direitos humanos estabelece a moral do respeito universal e igualitário . E esta é a única moral que pode ter a pretensão de realizar a idéia de um ser humano bom. Isto implica que, o comportamento moral consiste em reconhecer o outro como sujeito de direitos iguais e não como objeto de nossas obrigações .
 
1.5. JUSTIÇA COMO VALOR MORAL
Na atual concepção ética, as normas somente podem ser consideradas moralmente boas se asseguram os direitos humanos em sentido amplo. Isso significa dizer que as normas devem garantir não somente a dignidade da pessoa humana, como também os direitos econômicos para a efetiva realização da justiça.
Há, desde Aristóteles, duas acepções de justiça: a justiça corretiva e a justiça distributiva. A primeira pode ser representada simbolicamente pela figura da justiça que traz nos olhos uma venda. Isso significa dizer, que a justiça corretiva prima pela imparcialidade e pela não distinção de pessoas. Desde já, podemos afirmar que este pensamento da justiça não corresponde à expectativa da equidade entre pessoas, já que, imparcialidade nunca foi sinônimo de igualdade. Já a segunda acepção de justiça, qual seja, a distributiva, admite a desigualdade entre as pessoas, sendo que, tal desigualdade deve se dar por razoes relevantes e que merecem ser levadas em consideração em qualquer julgamento, para que este possa alcançar o conceito igualitário da justiça.
A justiça somente se justifica se for para equilibrar as relações entre desiguais. E, em razão disso, a idéia de justiça está ligada á noção de bem comum e de promoção dos interesses coletivos de acordo com as necessidades particulares de cada sociedade. Não pode assim a justiça, ser concebida a partir de uma perspectiva de sociedade ideal, onde todas as pessoas desfrutem de igualdade de condições, pois, não somente esvaziará sua própria noção, como não atenderá, nem aos fins que se propões, nem a necessidade de equidade real nas relações conflitantes dentro da sociedade.
Conclui-se desta forma, que o conceito de justiça é incompleto. Isso, porque os indivíduos não compartilham as mesmas idéias sobre o que é bom e justo, não podendo se chegar a um consenso universal. Mas, a justiça é um ideal desejável para todas as relações humanas, apresentando-se como uma, entre as muitas virtudes humanas, necessária ao convívio social e ao bem-estar coletivo. Sob este prisma, cabe ao Direito regulamentar o que seja justo através de um consenso geral sobre as condutas justas e moralmente aprovadas pela coletividade.
 
1.6. A ÉTICA E O DIREITO
O Direito interfere em todas as esferas da vida social, determinando, transformando e regulando as condutas dos indivíduos, razão pela qual a responsabilidade e a consciência ética e social dos juristas são indispensáveis, muito mais que a mera letra da lei, ao bom funcionamento da sociedade. Sobre isso entendia Dworkin que, a concepção do Estado de Direito deve ser centrada nos direitos , pressupondo que os cidadãos têm direitos e deveres morais entre si e perante o Estado e incorporando a justiça como ideal, e, não centrada no texto legal , onde todos, cidadãos e Estado, agem conforme as regras até a sua modificação, pois esta é uma concepção restrita que sequer indica o conteúdo das normas.
O Direito é antes de tudo uma instituição ética que deve colocar as leis a serviço de valores morais tais como verdade, igualdade, liberdade e justiça para solucionar conflitos e contradição de valores. Mas se o Direito for visto como uma simples técnica de controle e organização social, o que implica apenas um conhecimento jurídico apenas informativo e desprovido de um pensamento crítico e político, ao delimitar os limites do comportamento dos homens e sancionar as condutas não desejáveis, dando origem a sucessão de deveres, não terá qualquer significado moral, já que ao direito positivo importará somente em sanções pelo descumprimento das prescrições normativas. E sobre isso informa Farias:
O fato ilícito não é, em si, tido como um fato imoral ou eticamente condenável; é apenas encarado como uma conduta contraria a aquela fixada pela norma.
Ao reduzir o direito a um sistema de normas, que se limita a dar sentido jurídico aos fatos sociais á medida que estes são enquadrados no esquema normativo vigente, tal concepção torna desnecessário o questionamento de dogmas. Despreza, assim, a discussão relativa á natureza e ás implicações éticas da função social das leis e dos códigos, valorizando apenas seus aspectos técnicos e procedimentais. (FARIAS, 1998, p. 21).
No Brasil, por exemplo, tanto as desigualdades entre as classes, não restrita ao ponto de vista econômico, bem como a inoperância dos procedimentos jurídicos oficiais e os diferentes pesos e medidas na aplicação da lei, é uma realidade que torna o principio da igualdade jurídica uma mera ficção. Além disso, a possibilidade de exceções ás regras estabelecidas, muitas vezes com conceitos ambíguos, permite que no direito brasileiro haja sempre uma forma de contornar ou mesmo não aplicar a norma. Nesta perspectiva surge o direito alternativo na tentativa de resolver os conflitos sociais que ocorrem á margem do Estado e para os quais a letra da lei não tem uma solução.
Mas segundo Adeodato (2002), mais que em direito alternativo no Brasil, podemos dizer de procedimento alternativo, ou seja, procedimentos que estão à margem do sistema normativo, extra-oficiais, mas que são aplicados no país como forma de suprir as deficiências legais. Entre estes procedimentos aponta o poder militar e o seu papel legitimador e garantidor da ordem interna, o jeito brasileiro como forma especial de controlar as incertezas sobre a eficácia das decisões oficiais e ao mesmo tempo obter resultados marginais que beira a fronteira da ilegalidade, a corrupção com a sua troca de favores entre particulares e funcionários da administração publica para obtenção de favores.
Todas estas incertezas morais e jurídicas acabam sendo a prova inequívoca que o Direito como mero ordenamento jurídico não é suficiente para resolver os conflitos sociais, nem é capaz de garantir um efetivo controle e organização social. O Direito necessita estar em conformidade com a realidade sobre qual exerce influência, não para somente sancionar o descumprimento das suas prescrições normativas, mas fundamentalmente para colocar as leis á serviço de valores morais coletivos e gerais.
 
1.7. A REALIDADE BRASILEIRA
Desde os anos 70, o Brasil tem se apresentado como uma sociedade industrializada e  predominantemente urbana, mas marcada por  indicadores sócio-econômicos perversos e por enormes contrastes nas classes sociais.
Enfrentamos, conforme o pensamento de Faria (1998), no plano sócio-econômico, uma crise de hegemonia dos setores dominantes, no plano político, uma crise de legitimação do regime representativo e no plano jurídico-institucional, uma crise da própria matriz organizacional do Estado brasileiro. A origem destas três crises está associada ao modelo de desenvolvimento burocrático-autoritário adotado pelo Brasil, que ampliou as formas de intervenção do Estado, tanto no sistema financeiro, iniciando uma nova etapa industrial brasileira, como nos sindicatos, neutralizando a participação política e adotando políticas trabalhistas altamente restritivas. E que, já nas primeiras décadas de 80 mostrou seu esgotamento e transformou as regiões metropolitanas em bolsões de conflitos generalizados.
A transformação da infra-estrutura geo-ocupacional brasileira teve como resultado, a ruptura dos valores tradicionais dos diferentes grupos e classes, maior agressividade de comportamento, concentração de renda, entre inúmeros outros fatores que geraram conflitos surgidos das contradições sócio-econômicas causadas pela rápida industrialização e urbanização. Tais contradições acabaram por exigir das instituições judiciais e jurídicas uma disciplina que solucionasse os conflitos e equilibrasse as relações sociais. Porém, as instituições jurídicas se mostram não somente arcaicas e enrijecidas, mas como excessivamente formalistas, não sendo capaz de corrigir as imperfeições do sistema capitalista.
Sem conseguir superar as contradições e conflitos sociais e ajustar o sistema jurídico aos novos tempos, a sociedade brasileira passou a desconfiar tanto da objetividade das leis, como critério de justiça, quanto da efetividade, como critério de regulação da vida sócio-econômica, acarretando na banalização da ilegalidade e da impunidade, que reflete, nos tempos atuais, a imagem do Brasil.
Entretanto, mesmo com a descrença nas leis, tanto a população de um modo geral, como os excluídos socialmente, depositam suas esperanças no judiciário e esperam, mais que uma mera interpretação legislativa, um judiciário flexível e adaptável ás circunstancias sócio-econômicas no momento da aplicação das normas, apesar da realidade jurídica que hoje vivemos, demonstrar um sistema legal ineficaz e limitado, que carece não somente de liberdade criativa, como de flexibilidade interpretativa.
A crise no sistema jurídico e a complexidade sócio-econômica da sociedade brasileira passaram também a exigir dos atuais operadores do direito, além de novos graus de especialização funcional e técnica na dogmática do Direito, também um conhecimento extra-jurídico que os ajudem a assumir, não somente uma postura crítica frente ao ordenamento jurídico, como novas responsabilidades funcionais, para adequar o direito a realidade sócio-econômica emergente, em prol de uma efetiva justiça material.
A adequação do Direito á realidade sócio-econômica do país tem se tornado, não somente necessária, como imprescindível à realização da justiça, não só ao que diz respeito às decisões jurídicas, mas também quanto ao Direito como instrumento adequado para ajudar na recuperação do equilíbrio social e moral da sociedade.
A ruptura dos valores morais dentro do sistema capitalista foi ocorrendo ao longo da história da exploração do homem pelo homem e derivaram de uma ideologia individualista. E, dentre os inúmeros fatores que levaram a quebra de conceitos e princípios morais da convivência coletiva, o que fator que mais se destaca na inversão dos valores e princípios morais, principalmente dentro da sociedade brasileira, é o fator econômico, pois este é o mais visível aos olhos.
Apesar da ética não poder ser analisada somente sob o aspecto econômico, este exerce, papel importante e muitas vezes definitivo na realização da conduta moral. As desigualdades geradas pelo empobrecimento da população e ao mesmo tempo a ideologia consumista fomentada, são questões antagônicas que vivenciam a maioria da população brasileira e que por vezes ofuscam a compreensão do indivíduo na hora de definir quais condutas são corretas ou não.
Questões sociais como corrupção, consumismo, pobreza e impunidade, e a banalização das mesmas, além de expandir o comportamento individualista dos indivíduos, os levam a uma descrença na justiça e uma fragilidade da conduta moral e ética. Os parâmetros éticos e morais foram perdidos, e, a recuperação destes, depende necessariamente de um comportamento sensível frente aqueles que, excluídos da sociedade, já não são capazes de encontrar sozinhos, o caminho de volta para o bem-estar coletivo.
Neste confronto de valores morais, o Direito não pode mais se apresentar como mera normativa deve, sim, restabelecer a justiça das relações sociais, corrigindo as imperfeições do nosso sistema sócio-econômico, através da observação e consideração da realidade social para a aplicação justa das leis aos casos concretos.
 
CONCLUSÃO
A nossa sociedade necessita estabelecer uma nova moral , ou seja, uma moral que seja elevada a um nível superior. Mas para isso exige-se uma superação do individualismo egoísta em que o individuo se afirma à custa da realização dos demais.
O progresso moral somente pode ser alcançado se houver a integração dos interesses individuais e coletivos, isso significa dizer, que é necessário que todos os indivíduos se encontrem em uma situação sócio-econômica favorável a manutenção dos valores morais. E isso, importa em não se encontrar em uma condição tal que seja necessário escolher entre um comportamento social adequado e as necessidades básicas de sobrevivência. Trata-se, portanto da elevação do caráter consciente e livre do comportamento dos indivíduos ou dos grupos sociais para que lhes possam ser atribuídos responsabilidades sobre o seu comportamento moral.
Neste desenvolvimento moral os operadores do Direito exercem um importante papel dentro da sociedade, devendo utilizar as normas jurídicas para regular as relações sociais e proporcionar o equilíbrio social e econômico que a nossa sociedade necessita, permitindo assim a formação desta nova moral.
O crescimento da violência, do desemprego, do analfabetismo e de tantas outras questões sociais que assolam o nosso país, são fatores que evidenciam que não podemos continuar pensando nesta moral única estabelecida pelo poder econômico dirigente. Urge estabelecer uma moral social que atenda também as necessidades de determinados estratos da sociedade que já não está disposta a submeter-se a uma regra moral excludente e que não compartilham os mesmos problemas estruturais.
Neste contexto, o Direito busca regular as relações e solucionar os conflitos sociais existentes, porém as leis estabelecem tão somente a moral normativa. Desta forma, cabe aos profissionais do direito ir além da moral normativa, aproximando-se da moral factual, ou seja, dos atos reais que os indivíduos concretizam no plano prático. Somente quando pudermos aproximar a moral ideal da moral real, estaremos mais próximos do verdadeiro conceito de justiça.
 
REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISRMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e Direito: Uma Perspectiva Integrada. São Paulo: Atlas, 2002.
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BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: Ética geral e profissional. São Paulo: Saraiva, 2002.
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COSTA, Elcias Ferreira. Deontologia Jurídica: a ética das profissões jurídicas. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro, RJ: Record, 11ª. edição, 2004.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Tradução de João Dell´Anna.Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 7ª. edição, 1984.