quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Do Direito das coisas

I. Introdução:

Direito das Coisas é o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas entre os homens, em face às coisas corpóreas, capazes de satisfazer às suas necessidades e suscetíveis de apropriação. No Direito das Coisas estudaremos o que, modernamente, denominamos Direitos Reais. Os Direitos Reais, juntamente com os Direitos Pessoais estão inseridos na categoria dos Direitos Patrimoniais.
Os Direitos Reais atribuem ao titular poder de senhoria direto e imediato sobre a coisa. No Direito Pessoal, o poder do titular atua sobre uma pessoa, o devedor, que lhe deve fazer uma prestação de conteúdo econômico. Em ambos se configura uma relação jurídica: no Direito Real, ela se estabelece entre seu titular e todas as demais pessoas que, indistintamente, estão obrigadas (obrigação passiva universal) a não praticar ato que o turbe na utilização de seu direito; no Direito Pessoal, a relação jurídica é a que existe entre o titular do Direito Subjetivo (o credor) e uma pessoa (o devedor).
Os Direitos Reais estão protegidos por ações reais (actiones in rem) que se intentam, não contra uma pessoa determinada (devedor),como sucede no Direito Pessoal, mas contra quem quer que tenha turbado a sua utilização (erga omnes). Os Direitos Reais outorgam ao titular a faculdade de sequela, isto é, de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que a detenha e dão ao titular a faculdade de preferência, ou seja, o poder de afastar todos aqueles que reclamem a coisa com base ou em Direito Pessoal ou em Direito Real posterior ao dele.
Além disso, vigora, em Direito Romano, o princípio de que os Direitos Reais constituem um numerus clausus (número fechado), isto é, só são Direitos Reais os criados pelas diferentes fontes de Direito, não havendo assim, a possibilidade de os particulares, por acordo de vontade, criarem Direitos Reais de tipo novo.
Entretanto, uma outra corrente de civilistas, inspirados na jurisprudência francesa, sustenta ser livre às partes atribuírem realidade a direitos resultantes de convenções havidas entre elas, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes.
Entre nós, há ainda alguma controvérsia, questionando-se o fato da enumeração do artigo 674 do Código Civil ser meramente exemplificativa ou, ao contrário, de ser taxativa. Porém esta enumeração pode ser ampliada pelo legislador quando lhe parecer mais conveniente admitir outro Direito Real.
Os jurisconsultos romanos não conheceram esses dois conceitos - Direito Real e Direito Pessoal. A própria denominação ius in re com a qual se designam os Direitos Reais não se encontra com esse sentido nas fontes. A distinção que hoje fazemos entre esses dois direitos, os romanos a faziam no plano processual, com a dicotomia actio in rem - actio in personam (ação real - ação pessoal). Partindo desta distinção, os autores do Direito Intermédio formularam os conceitos de Direito Real e Direito Pessoal.
O Direito Real pode ser classificado, quer tendo em vista o objeto sobre que recai, quer tendo em vista a sua finalidade.

Quanto ao objeto:

Direito de Propriedade;
Direito Real sobre Coisa Alheia (iura in re aliena).

Quanto a finalidade:

Direito Real de Gozo;
Direito Real de Garantia: penhor, hipoteca, anticrese.
Segundo o já referido artigo 674 do Código Civil, são Direitos Reais: propriedade, efiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas expressamente constituídas sobre imóveis, penhor, anticrese e hipoteca.

Na exposição que se segue, examinaremos um instituto que não é um direito, mas um fato - a posse (possessio), um elemento de grande importância na aquisição dos Direitos Reais.

II. Conceito e Natureza Jurídica da Posse:

A palavra possessio provém de potis, radical de potestas, poder; e sessio, da mesma origem de sedere, significa estar firme, assentado. Indica, portanto, um poder que se prende a uma coisa.
Os romanos já distinguiam claramente a posse do Direito de Propriedade. A jurisprudência romana elaborou o conceito de posse com base na proteção pretoriana (pretor - magistrado da Roma Antiga), que, por sua vez, data do início do século II a.C..
A posse consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A propriedade é a relação entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade objetiva da lei, implicando um poder jurídico e criando uma relação de direito.
Entre os modernos há duas teorias importantes:
Teoria de Savigny (subjetiva):
A posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi.
Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção.
Teoria de Ihering (objetiva):
Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor.
A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário.
Concluindo, protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações possessórias. Enquanto a ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação possessória é a propriedade na defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um complemento à defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar dispensado da prova de seu domínio.
É verdade que, para se facilitar ao proprietário a defesa de seu interesse, em alguns casos vai o possuidor obter imerecida proteção. Isso ocorre quando o possuidor não é o proprietário, mas um intruso. Como a lei protege a posse, independentemente de se fundamentar ou não em direito, esse possuidor vai ser protegido, em detrimento do verdadeiro proprietário.
Ihering reconhece tal inconveniente. Mas explica que esse é o preço que se paga, em alguns casos, para facilitar o proprietário, protegendo-lhe a posse.
O Código Civil adotou a teoria de Ihering no artigo 485 que, caracterizando a pessoa do possuidor, fornece os elementos para extrair-se o conceito legal de posse: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.”
Quanto a natureza jurídica da posse, sustenta Savigny que a posse é ao mesmo tempo um direito e um fato. Considerada em si mesma é um fato; considerada nos efeitos que gera, isto é, usucapião e interditos, ela se apresenta como um direito.
Para Ihering, a posse é um direito. Partindo de sua célebre definição de direito subjetivo, segundo a qual aquele é o interesse juridicamente protegido, é evidente a natureza jurídica da posse.
Entretanto não são poucos os juristas que negam à posse a natureza de um direito. Aliás, não se pode considerar a posse Direito Real, porque ela não figura na enumeração do artigo 674 do Código Civil e segundo Silvio Rodrigues aquela regra é taxativa e não exemplificativa, tratando-se aí de numerus clausus.


III. Espécies e Qualificações da Posse

1. Posse Direta e Indireta:

O Direito Civil moderno distingue a posse, quanto ao seu exercício, em direta e indireta.
Diz-se indireta a posse quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a detenção da coisa, continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a outrem a posse direta.
Há um desdobramento da relação possessória. O Código Civil em seu artigo 486 nos mostra que o usufrutuário, o depositário, o credor pignoratício, o locatário e o comodatário são possuidores diretos, pois todos detêm a coisa que lhes foi transferida pelo dono, mas este, ao transferir a coisa, conservou a posse indireta, por força de seu direito dominial.

Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a possibilidade de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante terceiros, além de conceder-lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se necessário for.

2. Composse:

Desde o Direito Romano, decorre a simultaneidade da existência da posse por mais de um possuidor, desde que o exercício por mais de um compossuidor não impeça o exercício por parte do outro. Assim, os romanos não admitiam a possessio in solidum, ou seja, que várias pessoas possuíssem a mesma coisa sem recíprocas limitações.
A composse no Direito moderno não se alterou muito. O nosso Código Civil, por exemplo, em seu artigo 488 afirma: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa ou estiverem no gozo do mesmo direito, poderá cada uma exercer sobre o objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.”

Desta forma, os cônjuges no regime de comunhão de bens (compossuidores sobre patrimônio comum) e os condôminos que são compossuidores podem reclamar a proteção possessória caso sejam turbados, esbulhados, ou ameaçados em sua posse, contra terceiros ou mesmo seus consortes.

3. Posse Justa e Posse Injusta:

Tanto no Direito Romano como no Direito moderno, os conceitos de posse justa e injusta se fundamentam na presença ou não dos vícios da posse: clandestinidade, violência e precariedade.
A posse é clandestina quando alguém ocupa coisa de outro às escondidas, sem ser percebido, ocultando seu comportamento. A rigor, este caso não pode ser caracterizado como posse, pois se opõe à conceituação de exteriorização de domínio, onde a publicidade se faz mister para sua existência.
Apesar disto, o Código Civil em seu artigo 497 admite a convalescência do vício da clandestinidade, onde cessada esta característica, através de atos ostensivos do possuidor, que além de ocupar a terra alheia, ali constrói, planta e vive, e o proprietário deixa de reagir por mais de ano e dia, aquela posse de início viciada, deixa de o ser, ganhando juridicidade, possibilitando a seu titular a invocação da proteção possessória.
A tomada de posse por meio violento é viciada para fins de direito, mas a lei contempla a hipótese da violência cessar e, a posse, originalmente viciada, pode ganhar juridicidade. Isto ocorre quando o esbulhado deixa de reagir durante o período de ano e dia, e o esbulhador exerce a posse pacífica por tal lapso de tempo, o que faz com que este adquira a condição de possuidor, pela cessação da violência.
É precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.), a retém indevidamente, quando a mesma lhe é reclamada.
A precariedade prejudica a posse, não permitindo que ela gere efeitos jurídicos e, diferentemente da violência e clandestinidade, segundo Silvio Rodrigues, não cessa nunca, não gerando, em tempo algum, posse jurídica.

O artigo 492 do Código Civil, presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. Mas tal presunção (juris tantum) é relativa, pois se a posse for viciada por violência ou clandestinidade, há a possibilidade de convalescência de tais vícios - cessados há mais de ano e dia - como dito anteriormente.

4. Posse de Boa Fé e Posse de Má Fé:

Desde a época dos romanos (possessio bonae fidei e possessio malae fidei), esta classificação é feita sob um ângulo subjetivo do possuidor, a fim de se examinar a sua posição psicológica em face da relação jurídica.
O nosso Código Civil atual, por exemplo, em seu artigo 490, prescreve: “É de boa fé a posse, se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído”; e em seu parágrafo único: “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”. Do disposto, vemos que será a posse de má fé quando o possuidor a exercer a despeito de estar ciente de que esta é clandestina, precária, violenta, ou encontra qualquer outro obstáculo jurídico à sua legitimidade.
Vemos ainda que o legislador presume posse de boa fé quando o possuidor tem o título hábil para conferir ou transmitir direito à posse, como a convenção, a sucessão, ou a ocupação segundo Clóvis Beviláquia. Tal presunção, entretanto, admite prova em contrário, cabendo o ônus da prova à parte reclamante.
A importância da distinção entre uma espécie de posse e a outra é muito significativa, tendo em vista a variedade de seus efeitos no que tange aos frutos percebidos, benfeitorias, etc.
Para tal aplicação faz-se necessário identificarmos o instante da cessação da boa fé. Segundo o artigo 491 do nosso Código Civil: “A posse de boa fé só perde este caráter, no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”. Portanto a posse de boa fé se transforma em posse de má fé ao tomar o possuidor conhecimento do vício que infirma sua posse, tendo a parte adversa o ônus de demonstrar as circunstâncias externas capazes de provar tal questionamento.
Cabe ressaltar aqui que a jurisprudência dominante entende que, havendo dúvida quanto à época em que a posse se tornou viciosa, o melhor critério é fixá-la a partir da data da propositura da ação, quando os efeitos de corrente da sentença acolhida retroagem a esta data.

5. Posse Nova e Posse Velha

O legislador atual distingue ambas com o intuito de consolidar a situação de fato, que possa remir a posse dos vícios da violência e clandestinidade, como fora mostrado anteriormente, ou seja, o prazo de ano e dia.

Assim, a posse é considerada velha quando ultrapassar este lapso de tempo (e do contrário, nova será) o que, conforme o Código Civil, artigo 508, dá ao possuidor a manutenção de sua posse, sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários.

6. Possessio Naturalis


No Direito Clássico, possessio naturalis era posse caracterizada pela simples detenção da coisa, isto é, pelo seu elemento material, não produzindo conseqüências jurídicas, sequer sendo tutelada pelos interditos possessórios.

7. Possessio Civilis

Também no Direito Clássico, a possessio civilis é a posse oriunda de causa reconhecida como idônea pelo ius civile para a aquisição do domínio; a ela, além dos elementos de fato que constituem a possessio ad interdicta (o corpus e o animus possiendi, ou seja, o elemento objetivo e o elemento subjetivo), acresce um elemento jurídico (a causa apta à aquisição do domínio) que é a condição fundamental para a produção das conseqüências substanciais da posse, como o usucapião, a aquisição de frutos, a utilização da ação pública.
Os legisladores atuais apontam que para se conferir a proteção dos interditos à posse, basta que ela seja justa, ou seja que não venha eivada dos vícios já mencionados. Assim, o titular de uma posse justa pode reclamar e obter proteção possessória contra quem o esbulhe, o perturbe, ou o ameace em sua posse, incluindo o proprietário da coisa.
Se a posse for injusta, o possuidor será garantido em sua posse apenas contra terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de terceiros que não tenham melhor posse.
Quanto à posse ad usucapionem, os juristas atuais a classificam como aquela capaz de deferir a seu titular o usucapião da coisa gerando o seu domínio. Para isto hão de ser supridos requisitos legais tais como a aquisição pela posse mansa e pacífica, com justo título e boa fé, por um período de dez anos entre presentes ou de quinze entre ausentes (Código Civil, artigo 551).
Todavia, a lei presume boa fé e justo título, se a posse ultrapassar o tempo de vinte anos, independentemente de como foi obtida (presunção absoluta).

IV. Aquisição e Perda da Posse:

De acordo com o Direito Romano a aquisição de posse ou início de posse, se dá quando concorrem os seus dois elementos constituintes: fato externo - o corpus ( apreensão) e um fato interno - animus (intenção), isto é, quando ocorre um ato material ligado a uma certa vontade.
A princípio o corpus deve manifestar-se na apreensão material da coisa, ou seja, que se entre em contato material com a coisa, porém, os jurisconsultos vão espiritualizando esse contato e admitem, por exemplo, que haja tomada de posse com a simples entrega das chaves de um celeiro ou, que preencha o requisito de corpus aquele que armou a armadilha em que caiu o animal, antes mesmo de saber da existência da presa.
Quanto ao animus, vimos que Savigny entendia que era o animus domini (intenção de ser proprietário), e Ihering entendia que era a simples consciência de ter a coisa consigo (affectio tenendi). Modernamente, os romanistas acreditam que essas duas correntes não levaram em conta a evolução do Direito Romano. Assim, analisando através do Direito Clássico, temos que o animus é visto como a intenção de assenhorar-se completamente da coisa, tendo sobre ela poder de fato exclusivo e independente (animus possidendi); e o possessio naturalis (a simples detenção) não exige esta intenção, bastando apenas o elemento físico (o corpus). Já no Direito Pós-Clássico o animus passa a ser para a posse o elemento preponderante, e no Direito Justinianeu, prevalece o animus domini.
Embora, em regra, seja o próprio possuidor que inicie por si a posse, esta também pode ser adquirida por meio de representantes, existindo então o corpus por outrem, que detém a coisa em lugar do que tem o animus de possuí-la. No início o pater familias adquiria a posse por meio do filho ou do escravo, que aparecem como instrumentos de sua vontade, mais tarde, a posse pôde ser adquirida por meio de um procurador, depois por terceiro (corpore alieno) e finalmente, por meio de qualquer estranho (per liberam personam), desde que houvesse a ratificação da pessoa em favor de quem a posse era iniciada.
É importante salientar que o detentor não pode transformar a detenção em posse sob a alegação de que passou a ter o animus possidendi, pois, no Direito Romano vigorava a regra de que a ninguém é dado, por si, mudar a causa de sua posse.
O Código Civil no seu artigo 493 dispõe sobre os modos de aquisição de posse nos seguintes casos:
Pela apreensão da coisa ou pelo exercício do direito.
Pelo fato de se dispor da coisa ou do direito.
Por qualquer dos modos de aquisição em geral.
Segundo Silvio Rodrigues, é de pouca utilidade esta enumeração, pois se a posse é uma situação de fato e se o possuidor é aquele que exerce poderes inerentes ao domínio é evidente que quem quer que se encontre no exercício de tais poderes é porque adquiriu a posse. E outra, se é possível adquirir a posse por qualquer dos modos de aquisição em geral (inciso III), isso torna inútil a enumeração feita nos incisos I e II. A lei foi mal redigida.
Os modos de aquisição da posse também podem ser classificados :
Tendo em vista a manifestação da vontade do agente: por ato unilateral, que são os casos de apreensão, de exercício do direito e de dispor da coisa ou do direito; ou ato bilateral, que é o caso da tradição, isto é, a transferência da posse de um possuidor a outro. A apreensão pode recair sobre coisa sem dono, com também sobre coisas de outrem, mesmo sem a anuência do proprietário.
Tendo em vista a origem da posse: distingue-se em originária, quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a anterior (sem vícios anteriores); ou derivada quando acontece o contrário (com vícios anteriores). A regra está no artigo 492 do Código Civil, que presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida; e, aplicação prática dessa regra se vê no artigo 495 do mesmo código, que encarando a sucessão causa mortis, determina transmitir-se a posse com os mesmos caracteres, aos herdeiros e legatários do possuidor.
Vemos a influência marcante do Direito Romano na legislação, quando o artigo 494 do Código Civil declara poder a posse ser adquirida:
Pela própria pessoa que a pretende.
Pelo seu representante ou procurador.
Por terceiro, sem mandato, dependendo de ratificação .
Pelo constituto possessório.
A disposição mais importante desse artigo é a do inciso III, que possibilita a aquisição de posse por terceiro sem mandato, desde que ratificado o ato; e, o inciso IV se refere ao constituto possessório, que ocorre quando aquele que possuía em seu próprio nome , passa a possuir em nome de outrem.
No Direito Romano em geral se perde a posse (término da posse) quando desaparece um ou os dois elementos constitutivos: animus e corpus. Desta forma, a posse termina quando o possuidor abandona a coisa a terceiro; ou perde, contra a sua vontade, o poder de fato sobre a coisa; ou, embora continue a ter contato com a coisa, não mais a quer possuir.
Em alguns casos, excepcionalmente a posse se conserva mesmo não tendo o corpus, ou o animus. Estas atenuações eram admitidas mesmo no período clássico pelos jurisconsultos. O caso de ocupação clandestina do imóvel não acarretava a perda imediata da coisa pelo possuidor; também não terminava a posse se o possuidor se separasse brevemente da coisa, nem ocorria o término imediato da posse quando morria o locatário, por meio de quem o locador possuía. No caso dos terrenos destinados a pastagens hibernais ou estivas (saltus hiberni et aestivi), o possuidor não deixava de o ser na restante parte do ano, em que se afastou deles. Da mesma forma, a loucura do possuidor não ocasionava o término da posse, e por fim, do mesmo modo o senhor conservava a posse do escravo fugitivo.
Já no Direito Justinianeu, não há apenas atenuações, como no Direito Clássico, mas sim, a idéia de que a posse pode conservar-se unicamente pelo animus (animo solo), onde a posse não terminava com a perda apenas do corpus. Neste caso, com a prisão na guerra do possuidor conservava-se a posse, ao contrário do que ocorria no Direito Clássico. No entanto, se uma pessoa fosse desapossada violentamente de uma coisa e se mostrasse impotente para recuperá-la, deixava de ser possuidora.
O Código Civil atualmente prevê a perda da posse das coisas em algumas situações, de acordo com o seu artigo 520:
Pelo abandono.
Pela tradição.
Pela perda ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio.
Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em tempo competente.
Pelo constituto possessório.
Entretanto, a enumeração acima jamais poderá ser completa, cumprindo encará-la como meramente exemplificativa. Neste artigo, como no da aquisição da posse, o legislador se esquece que adotou a teoria de Ihering e deixa-se influenciar por Savigny, enumerando as possibilidades em que o possuidor adquire ou perde a posse, de acordo com a presença do corpus e/ou do animus.

V. Os Efeitos da Posse

Os efeitos da posse são as conseqüências jurídicas por ela produzidas. São eles:
a proteção possessória;
a percepção dos frutos;
a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa;
a indenização por benfeitorias e o direito de retenção para garantir seu pagamento;

o usucapião.

1. Proteção possessória:

De todos os efeitos da posse, o mais importante é a proteção possessória. A proteção possessória consiste no consentimento de meios de defesa da situação de fato, que aparenta ser uma exteriorização do domínio. Para facilitar a defesa de seu domínio, a lei confere ao proprietário proteção, desde que prove que está ou estava na posse da coisa, e que fora esbulhado ou esteja sendo perturbado. Este não precisa recorrer ao juízo petitório, basta-lhe o ingresso em juízo possessório. Normalmente, o juízo possessório não ajuda alegar o domínio; já no juízo petitório, a questão de posse é secundária.
Normalmente, a defesa do direito violado ou ameaçado se faz através de recurso ao Poder Judiciário. Contudo, há casos em que a vítima tem a possibilidade de defender-se diretamente (defesa legítima) com seus próprios meios, contanto que obedeça aos requisitos legais. Porém, a reação deve seguir imediatamente à agressão e deve se limitar ao indispensável, ou seja, os meios empregados devem ser proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso culposo.
As ações possessórias são fundamentalmente três:
A ação da manutenção de posse - concedida ao possuidor que, sem haver sido privado de sua posse, sofre turbação. Através do interdito, pretende obter ordem judicial que ponha termo aos atos perturbadores.
A ação de reintegração de posse - concedida ao possuidor que foi injustamente privado de sua posse.
O interdito proibitório - concedido ao possuidor que, tendo justo receio de ser molestado ou esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado contra a violência iminente. Pede, portanto, ao Poder Judiciário que comine a quem o ameaça pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito.
Outras ações possessórias:
Imissão na posse: o proprietário, através da transcrição de seu título, adquire o domínio da coisa que o alienante, ou terceiros, persistem em não lhe entregar;
nunciação de obra nova: impede que nova obra em prédio vizinho prejudique o confinante;
embargos de terceiro senhor e possuidor: o legislador confere a quem, a fim de defender os bens possuídos, não sendo parte no feito, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens, por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, partilha, ou outro ato de apreensão judicial.
Ações possessórias no Direito Romano: No Direito Romano, a posse era defendida por interditos possessórios que visavam, alguns, a conservação da posse e outros sua recuperação.
interdita retinendae possessionis causa:
Visava a conservação da posse tendo caráter proibitório e duplo pois o pretor instituía proibição tanto ao possuidor quanto ao proprietário. Subdividia-se em :
interdito uti possidetis
Visava a conservação da posse não violenta, clandestina ou precária de coisa imóvel. Poderia, excepcionalmente, acarretar a recuperação da posse ao ex-possuidor esbulhado através de outro interdito: exceptio uitiosae possessionis (exceção de posse viciosa) - se o possuidor violento, clandestino ou precário, molestado pelo antigo possuidor esbulhado por ele e que tentara recuperar a posse, requeria ao pretor um interdito uti possidetis contra o esbulhado, este podia opor exceptio uitiosae possessionis e, demonstrando o vício da posse recuperava-a.
b) interdito utrubi
Visava a conservação da posse de coisa móvel. A princípio, estendia-se somente a posse de escravos, passando posteriormente a abranger todas as coisa móveis cuja posse não fosse viciosa. Protegia apenas o possuidor que, no ano em curso, tivesse possuído por mais tempo a coisa em disputa.
Interdita reciperandae possessiones causa
Visava a recuperação da posse e subdividia-se em três interditos:
a) interdito unde ui
Reintegrava a posse a quem a perdeu violentamente e subdividia-se em dois interditos, conforme a natureza da violência:
a.a) ui cotidiana
Em caso de violência comum. Válida para coisa imóvel incluindo todas as coisas imóveis nela presente. Os requisitos para valer-se deste interdito eram:
requerê-lo dentro de um ano;
que o desapossador ou seus escravos tivessem cometido violência;
que o desapossado não tivesse posse viciosa em relação ao desapossador.
a.b) ui armata
Em caso de violência extraordinária. Para valer-se deste interdito era necessário que tivesse havido uis armata (ação violenta por homens armados).
b) interdito de precário
Defendia o proprietário quando este, tendo concedido a posse da coisa a alguém a título provisório, solicitava sua restituição e esta lhe era negada pelo precarista.
c) interdito clandestina possessionis
Visava a recuperação do imóvel ocupado clandestinamente por terceiro.
Interdictum momentariae possessionis

Concedido ao possuidor para recuperar provisória, mas imediatamente a posse podendo ser utilizado até trinta anos após o ocorrido.
A posse das servidões:

Basicamente só se admite a posse das servidões contínuas e aparentes, porque sendo a posse uma exteriorização do domínio, só as servidões aparentes, que também sejam contínuas, é que oferecem condições de publicidade compatíveis com a noção de posse.

2. A percepção dos frutos:

Sendo vencedor na ação reivindicatória, o proprietário reivindicante tem o direito de receber do possuidor vencido a coisa reivindicada. Porém, indaga-se qual o destino dos frutos pendentes ou das benfeitorias realizadas na coisa durante a posse, e, por outro lado, o prejuízo pelos estragos e deteriorações experimentadas pela coisa principal no período. Para solucionar estas questões, o legislador deve verificar se o possuidor agia de má ou boa fé.

3. A responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa:

Também aqui é diferente a atitude do legislador, conforme a natureza da fé do possuidor.
Caso o possuidor tenha agido de boa fé, a lei determina que ele não responde pela perda ou deterioração da coisa a menos que tenha sido culpado. Entretanto, o possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da coisa em todos os casos, mesmo que decorrentes do fortuito ou força maior, só se eximindo com a prova de que se teriam dado do mesmo modo, ainda que a coisa estivesse em mãos do reivindicante.
 

4. As benfeitorias e o direito de retenção:


Ainda quanto às benfeitorias, o legislador discrimina entre o possuidor de boa e má fé. O primeiro tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias que não lhe forem pagas e que admitirem remoção sem detrimento da coisa. Pelo valor das primeiras, poderá exercer o direito da retenção, conservando a coisa alheia além do momento em que a deveria restituir. Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias, porque estas deviam ser efetuadas estivesse a coisa nas mãos de quem quer que fosse, sob pena de deterioração ou destruição. Entretanto, ele não adquire o direito de retenção para garantir o pagamento de referida indenização.
O usucapião:

É o modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei. O usucapião será estudado nos trabalhos referentes à propriedade, pois este efeito da posse se fundamenta no propósito de consolidação da propriedade.

VI. Conclusão:

De acordo com o exposto neste trabalho, percebemos que a posse deriva de idéias primitivas extraídas do Direito Romano e que este direito influenciou decisivamente nossos legisladores na elaboração do Código Civil Brasileiro, base da relação do direito entre particulares.
Como vimos, a questão da posse, apesar de ser um tema antigo, ainda hoje é de grande importância, principalmente no Brasil, um dos poucos países que não realizou a reforma agrária. Diariamente, temos notícia de manifestações dos sem-terra e da política agrária do atual governo. Mais recentemente, acompanhamos com especial atenção à marcha dos sem-terra em Brasília, que avivou ainda mais a discussão da posse da terra e trouxe a tona a dificuldade na realização desta reforma devido a leis ainda ineficientes.
Torna-se necessário salientar que toda legislação a respeito da posse atende a uma preocupação de interesse social , e não apenas ao intuito de proteger a pessoa do possuidor. É importante destacarmos também que a propriedade, segundo o artigo 5º inciso XXXIII da nossa Constituição Federal, atenderá a sua função social. Aí está a base de toda a reforma agrária, afinal não podemos esquecer dos milhares de hectares de terras improdutivas que existem de norte a sul do país, propriedades rurais que não atendem a sua função social como podemos constatar no artigo 186 desta mesma Constituição, o qual enumera os requisitos para a observância desta função.

Portanto, o que se pode constatar é que tanto a sociedade como o Poder Público devem ajudar nesta luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra - MST, de forma a tornar as leis eficientes e vigentes. A questão é provar que, em um país que possui a extensão e a vocação agrícola como o Brasil, é, no mínimo, incoerente manter inutilizadas terras que poderiam alimentar milhares de pessoas, evitando assim o êxodo rural para as grandes cidades já tão repletas de problemas e diminuindo consideravelmente o número de desempregados, viabilizando, deste modo, o desenvolvimento nacional.
Bibliografia:
 
ALEXANDRE CORREIA E GAETANO SCLASCIA - Manual de Direito Romano - Vol. 1, Ed. Saraiva, 4ª edição, S.P., 1961.
José Carlos Moreira Alves - Direito Romano - Vol. 1, Ed. Forense, 5ª edição, R.J., 1983.
LIMONGI FRANÇA - A Posse no Código Civil, Ed. José Bushatsky - Livros Jurídicos, S.P., 1964.
Silvio Rodrigues - Direito Civil - Vol. 5 - Direito das Coisas, Ed. Saraiva, 20ª edição, 1993.
THOMAS MARKY - Curso Elementar de Direito Romano - Ed. Saraiva, 8ª edição, S.P., 1995.
Autoria: Ricardo Gomes da Silva

domingo, 22 de setembro de 2013

Da Inconstitucionalidade do cumprimento de pena no regime fechado pelo cometimento do crime de Tortura

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA NO REGIME FECHADO PELO COMETIMENTO DO CRIME DE TORTURA.
Como se vê demonstrado um dos temas mais discutidos no direito penal nos últimos anos foi sobre o regime de cumprimento de pena para os condenados por crimes hediondos ou equiparados.
Finalmente, no dia 27/06/2012, esse Supremo Tribunal Federal – STF pacificou o entendimento sobre isso.
Sendo pela Corte Suprema decidido:
Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/1990 (REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/2007). ORDEM CONCEDIDA. I Ante a declaração incidental de inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos, constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos, contida no referido art. 44 do mesmo diploma legal, deve ser reconhecida, mediante avaliação do caso concreto, a possibilidade de concessão do benefício da substituição da pena, segundo os requisitos do art. 44 do Código Penal. II O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. III Ordem concedida para que o juízo das execuções avalie se o paciente reúne os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal para substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como para que fixe o regime de cumprimento da pena de forma fundamentada, afastando a regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990.
(STF - HC: 113739 SP, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 16/10/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012)
BREVE REVISÃO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO QUESTIONADO.
CRIMES HEDIONDOS
Sabemos que eles são crimes que o legislador considerou especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e processual penal mais gravoso que os demais delitos.
A CF/88 menciona que os crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, não definindo, contudo, quais são os delitos hediondos.
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
CRIMES HEDIONDOS NO BRASIL
 
O Brasil adotou o sistema legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define, de forma exaustiva (taxativa, numerus clausus), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a de n.° 8.072/90, conhecida como Lei dos crimes hediondos.
A Lei n.° 8.072/90 prevê, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos:
São considerados hediondos os seguintes crimes (consumados ou tentados):
I - homicídio (art. 121 do CP), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (roubo seguido de morte) (art. 157, § 3º, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).
VIII - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B).
IX - Genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.° 2.889/56).
 
QUANTO AO TRÁFICO DE DROGAS E A TORTURA
Os crimes em comento em especial a Tortura NÃO é crime hediondo. A tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo não são crimes hediondos. Estes três delitos (TTT) são equiparados (assemelhados) pela CF/88 a crimes hediondos. Em outras palavras, não são crimes hediondos, mas veem recebendo o mesmo tratamento penal e processual penal mais rigoroso que é reservado aos delitos hediondos.
A Lei n.° 8.072/90, em sua redação original, determinava que os condenados por crimes hediondos ou equiparados (TTT) deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (...)
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
Em 23/02/2006, o STF declarou inconstitucional este § 1º do art. 2º por duas razões principais, além de outros argumentos:
a) A norma violava o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), já que obrigava o juiz a sempre condenar o réu ao regime integralmente fechado independentemente do caso concreto e das circunstâncias pessoais do réu;
b) A norma proibia a progressão de regime de cumprimento de pena, o que inviabiliza a ressocialização do preso.
A ementa do julgado ficou assim redigida:
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER.
A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
(HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006)
Diante dessa decisão, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 11.464/2007 modificando o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90:
Redação original
Redação dada pela Lei 11.464/2007
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida ITEGRALMENTE em regime fechado.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida INICIALMENTE em regime fechado.
Para os crimes anteriores à Lei n.° 11.464/2007, como o antigo § 1º era inconstitucional, as regras são as seguintes:
* É possível a progressão de regime cumprido 1/6 da pena (art. 112 da LEP) (Súm. 471-STJ);
* Não existe regime inicial obrigatório. O regime inicial é fixado segundo as normas do art. 33, § 2º do CP.
Para os crimes posteriores à Lei n.° 11.464/2007, as regras da Lei são as seguintes:
* A nova redação do § 1º passou a permitir a progressão de regime para crimes hediondos, conforme os requisitos previstos no § 2º do art. 2º (2/5 se primário e 3/5 se reincidente);
* A nova redação do § 1º continuou a impor ao juiz que sempre fixe o regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos e equiparados.
            Contudo conforme já conhecido o suposto cometimento do crime se deu no ano de 2002.
Segundo entendeu o STF, essa nova redação dada pela Lei n.° 11.464/2007 somente é válida para os crimes praticados após a sua vigência (29.03.2007).
Assim, a Lei n.° 11.464/2007 é irretroativa, considerando que, segundo o STF, trata-se de lei posterior mais grave. Isso porque depois da decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação de progressão para crimes hediondos (prevista na redação original do § 1º), os condenados por crime hediondos e equiparados passaram a poder progredir com o requisito de 1/6 (regra geral), mais favorável que o critério da Lei n.º 11.464/07 (RHC 91300/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 5.3.2009).
EM RESUMO
·         § 1º (em sua redação original): proibia a progressão para crimes hediondos.
·         STF (em 23/02/2006): decidiu que essa redação original do § 1º era inconstitucional (não se podia proibir a progressão).
·         Como o STF afirmou que o § 1º era inconstitucional: as pessoas condenadas por crimes hediondos ou equiparados passaram a progredir com os mesmos requisitos dos demais crimes não hediondos (1/6, de acordo com o art. 112 da LEP).
·         Lei n.° 11.464/2006: modificou o § 1º prevendo que a progressão para crimes hediondos e equiparados passaria a ser mais difícil que em relação aos demais crimes (2/5 para primários e 3/5 para reincidentes).
·         Logo, a Lei n.° 11.464/2006 foi mais gravosa para aqueles que cometeram crimes antes da sua vigência (e que podiam progredir com 1/6). Por tal razão, ela é irretroativa.
A Suprema Corte é uníssona em afirmar desde o dia 27/06/2012 que o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, ao impor o regime inicial fechado, é INCONSTITUCIONAL.
A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus 111.840/ES, afetado ao Plenário, tendo como relator o Min. Dias Toffoli.
Como votaram os Ministros:
O § 1º do art. 2º, da Lei n.° 8.072 é inconstitucional?
SIM
NÃO
Dias Toffoli
Rosa Weber
Cármen Lúcia
Ricardo Lewandowski
Cezar Peluso
Gilmar Mendes
Celso de Mello
Ayres Britto
Luiz Fux
Marco Aurélio
Joaquim Barbosa
 
Vejamos os principais argumentos utilizados para se chegar a essa conclusão:
·         A CF prevê o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI). Esse princípio também deve ser observado no momento da fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Assim, a fixação do regime prisional também deve ser individualizada (ou seja, de acordo com o caso concreto), ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 
·         A CF prevê, no seu art. 5º, XLIII, as vedações que ela quis impor aos crimes hediondos e equiparados (são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia). Nesse inciso não consta que o regime inicial para esses crimes tenha que ser o fechado. Logo, não poderia o legislador estabelecer essa imposição de regime inicial fechado por violar o princípio da individualização da pena.
·         Desse modo, deve ser superado o disposto na Lei dos Crimes Hediondos (obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado) para aqueles que preencham todos os demais requisitos previstos no art. 33, §§ 2º, e 3º, do CP, admitindo-se o início do cumprimento de pena em regime diverso do fechado.
·         O juiz, no momento de fixação do regime inicial, deve observar as regras do art. 33 do Código Penal, podendo estabelecer regime prisional mais severo se as condições subjetivas forem desfavoráveis ao condenado, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo.
A partir dessa decisão do STF, a pergunta que surge é a seguinte:
Qual é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado por crime hediondo ou equiparado (ex: tráfico de drogas)?
O regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tortura) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas b e c, do Código Penal.
Assim, será possível, por exemplo, que o juiz condene o réu por crime de tortura a uma pena de 6 anos de reclusão e fixe o regime inicial semiaberto.
A declaração de inconstitucionalidade foi feita incidentalmente, ou seja, em sede de controle difuso no julgamento de um habeas corpus. Desse modo, em tese, essa declaração de inconstitucionalidade não possui eficácia erga omnes nem efeitos vinculantes (salvo para os adeptos da “abstrativização do controle difuso”). No entanto, data vênia, é certo que todos os demais juízos vão ter que se curvar ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.
            Em Jurisprudências podemos afirmar:
 
Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/1990 (REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/2007). ORDEM CONCEDIDA. I Ante a declaração incidental de inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos, constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos, contida no referido art. 44 do mesmo diploma legal, deve ser reconhecida, mediante avaliação do caso concreto, a possibilidade de concessão do benefício da substituição da pena, segundo os requisitos do art. 44 do Código Penal. II O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. III Ordem concedida para que o juízo das execuções avalie se o paciente reúne os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal para substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como para que fixe o regime de cumprimento da pena de forma fundamentada, afastando a regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990.
(STF - HC: 113739 SP, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 16/10/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012)

Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FIXAÇÃO NO GRAU MÍNIMO PERMITIDO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DE OFÍCIO. I Não agiu bem o Tribunal estadual, uma vez que fixou a pena-base no mínimo legal, e, em seguida, aplicou a fração de redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em 1/6, sem apresentar a devida fundamentação. II O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. III Ordem concedida para determinar ao juízo da execução reduza da pena imposta ao paciente com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 no patamar de 2/3. IV Concessão da ordem de ofício para determinar ao magistrado que fixe o regime inicial de cumprimento da pena de forma fundamentada, afastando a regra do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, declarado inconstitucional pelo Plenário desta Corte.
(STF - HC: 114830 RS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 12/03/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-058 DIVULG 26-03-2013 PUBLIC 01-04-2013)

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. REGIME INICIAL ABERTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo no regime inicial fechado. II A vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos foi devidamente fundamentada no caso concreto, em especial pela natureza e quantidade de entorpecente apreendido. III Recurso parcialmente provido para determinar ao juízo da execução criminal que, afastada a regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, proceda ao exame do preenchimento dos requisitos do art. 33, § 2º, do Código Penal para a fixação do regime de cumprimento mais adequado ao quantum de pena imposto ao recorrente.
(STF - RHC: 113380 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 28/08/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-183 DIVULG 17-09-2012 PUBLIC 18-09-2012)
Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. NATUREZA E QUANTIDADE DO ENTORPECENTE DEVEM SER CONSIDERADAS NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. ART. 42 DA LEI DE DROGAS. REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I Não agiu bem o magistrado de primeiro grau, uma vez que fixou a pena-base acima do mínimo legal, com preponderância da natureza e da quantidade da droga apreendida, e, em seguida, aplicou a fração de redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em 1/2, utilizando-se dos mesmos fundamentos, em flagrante bis in idem. II O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. III A vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos foi devidamente fundamentada no caso concreto. IV Recurso parcialmente provido para determinar ao juízo sentenciante que proceda a nova individualização da pena, respeitadas as diretrizes firmadas por esta Turma, ou seja, considerando a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido em poder do recorrente na primeira fase da individualização da reprimenda, bem como a quantidade de pena fixada na sentença, sob pena de reformatio in pejus. E, ainda, para que fixe o regime de cumprimento da pena de forma fundamentada, afastando a regra do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, declarado inconstitucional pelo Plenário desta Corte.
 (STF - RHC: 114590 DF , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 11/12/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-022 DIVULG 31-01-2013 PUBLIC 01-02-2013).
O regime inicial fechado é inconstitucional. Em recente julgamento proferido nos autos do HC 107.407/MG (25/09/2012, rel. Min. Rosa Weber), a Primeira Turma do STF ratificou posicionamento da Corte no sentido da inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da Lei de Crimes Hediondos (que estabelece a obrigatoriedade do regime inicial fechado).
Ao julgar o HC 111.840/ES em junho de 2012, o Plenário do STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal. Mesmo nos crimes hediondos, o regime não tem que ser compulsoriamente o fechado
Como se sabe, a chamada Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072/90[1]) traz em seu bojo uma disposição de caráter processual/penal (relacionada com a própria execução da pena), que não se compatibiliza com a Constituição Federal: a obrigatoriedade inicial do cumprimento da pena no regime fechado (art. 2º., II e seu § 1º.). A norma é inconstitucional porque obriga que o condenado pelo crime hediondo cumpra a pena em regime inicialmente fechado, o que, além de um absurdo jurídico-penal, também afronta a Constituição, especialmente o seu art. 5º., XLVI, que trata da individualização da pena. Entendemos que a individualização da pena engloba, não somente a aplicação da pena, mas também a sua posterior execução, com os benefícios previstos na Lei de Execução Penal (art. 112, Lei nº. 7.210/84). Observa-se que o art. 59 do Código Penal, que estabelece as balizas para a aplicação da pena, prevê expressamente que o Juiz sentenciante deve prescrever “o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade”, o que indica, induvidosamente, que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do conceito “individualização da pena”. Assim, não podemos admitir que, a priori, alguém seja condenado a cumprir a sua pena obrigatoriamente em regime inicialmente fechado, vedando-se absolutamente qualquer possibilidade de se iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto ou aberto, ferindo, inclusive, as apontadas finalidades da pena: a prevenção e a repressão.
Como ensina Luiz Luisi,
“o processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou administrativo.” (Grifo nosso).
Explicitando este conceito, o mestre gaúcho ensina: “Tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução.”(...) “Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução.” (...) “Esta fase da individualização da pena tem sido chamada individualização administrativa. Outros preferem chamá-la de individualização executória. Esta denominação parece mais adequada, pois se trata de matéria regida pelo princípio da legalidade e de competência da autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente jurisdicionais.” (...) “Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que consiste a individualização da sanção penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Diferente será este tratamento se ao invés de se enfatizar os aspectos retributivos e aflitivos da pena e sua função intimidatória, se por como finalidade principal da sanção penal o seu aspecto de ressocialização. E, vice-versa.” E conclui o autor: “De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do delinqüente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no seu modo de execução.” (Grifos nossos).
Assim, não restando dúvidas que o início de cumprimento da pena é parte integrante da individualização da pena, afigura-se inconstitucional aquele “dispositivo hediondo”.
A respeito veja-se a lição de Luiz Vicente Cernicchiaro:
“A Constituição, no art. 5º., XLIII, registrou tratamento especial a quatro delitos. Tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Atente-se para as restrições: inafiançabilidade e vedação de graça ou anistia. A lei ordinária, então, poderia, como fez, arrolar, definir os crimes hediondos. Norma, evidentemente, restritiva, de interpretação limitada. A Lei nº. 8.072/90, entretanto, foi além, acrescentando, repita-se, no art. 2º., parágrafo primeiro, que a pena será cumprida integralmente em regime fechado. Com isso, sem dúvida, afetou o sentido material da pena! Como atrás registrado, a sanção tem antecedente: conduta reprovável, previamente definida e finalidade: restituir o condenado ao convívio social. Prevalece o interesse público de obter-se a ressocialização do delinquente. (...) O cumprimento da pena, em regime inteiramente fechado, afronta a finalidade da pena que visa a readaptação social. Só se aprende a viver em sociedade vivendo na sociedade!”
Segundo o professor peruano, Luis Miguel Reyna Alfaro,
“la individualización judicial de la pena a imponer, es uno de los más importantes aspectos que deben ser establecidos por los tribunales al momento de expedir sentencia. Sostienen por ello con absoluta razón ZAFFARONI/ ALAGIA/ SLOKAR que la individualización judicial de la pena debe servir para ´contener la irracionalidad del ejercicio del poder punitivo`. Este proceso de individualización judicial de la pena es ciertamente un proceso distinto y posterior al de determinación legal de la misma que es realizado por el legislador al momento de establecer normativamente la consecuencia jurídica. Esta distinción es importante porque nos permite marcar la diferencia –a la que recurriremos posteriormente- entre ´pena abstracta` y ´pena concreta`. La primera está relacionada a la pena determinada legalmente por el legislador en el proceso de criminalización primaria, mientras la segunda se refiere a la pena ya individualizada por el operador de justicia penal, dentro del proceso de criminalización secundaria. Adicionalmente, ésta distinción ´pena abstracta- pena concreta` sirve para comprender que el proceso de individualización judicial de la pena es un mecanismo secuencial que pasa, en primer lugar, por establecer cuál es la pena establecida por el legislador para, en segundo lugar y sobre esos márgenes, establecer la aplicable al caso concreto y la forma en que la misma será impuesta. (...) Como se indicó anteriormente, el proceso de individualización judicial de la pena debe necesariamente encontrarse vinculado a los fines de la pena, lo que obliga a introducirnos al inacabable debate sobre el fin de la pena.” (grifo nosso). 
Neste mesmo sentido, Rodríguez Devesa afirma que “pueden distinguirse tres fases en el proceso de determinación de la pena aplicable: individualización legal; individualización judicial e individualización penitenciaria.” Grifo nosso.
Esqueceu-se novamente que o modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na ideia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora.
Como afirma Jose Luis de la Cuesta, “o direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode–se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.” (grifo nosso, na tradução de Consuelo Rauen).
Hoje, ainda que o nosso sistema penal privilegie induvidosamente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da prisão), o certo é que a tendência mundial é no sentido de alternativizar este modelo clássico, pois a pena de prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A ideia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional” (Cezar Roberto Bittencourt).
Por fim, resta-nos enfrentar a questão da aplicação desta decisão à luz dos princípios que regem a aplicação da lei no tempo. De logo, ressalvamos que o art. 2º., parágrafo primeiro da referida lei, apesar de norma processual, tem um nítido e indissociável caráter penal, razão pela qual é norma processual penal material (mista ou híbrida). Trata de matéria processual (regime de cumprimento de pena, execução penal), mas também diz respeito a direitos fundamentais dos acusados e dos condenados, previstos constitucionalmente.
Esta matéria relativa a normas híbridas ou mistas, apesar de combatida por alguns, mostra-se, a nosso ver, de fácil compreensão. 
Com efeito, o jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que “está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material - que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais”, adverte que dentro de uma visão de “hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”
Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), “embora processuais, elas são-no também plenamente materiais ou substantivas.”
Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais”, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur.
Por lei penal mais benéfica não se deve entender apenas aquela que comine pena menor, pois “en principio, la retroactividad es de la ley penal e debe extenderse a toda disposición penal que desincrimine, que convierta un delito en contravención, que introduzca una nueva causa de justificación, una nueva causa de inculpabilidad o una causa que impida la operatividad de la punibilidad, es dicer, al todo el contenido que hace recaer sobre la conduta, sendo necessário que se tenha em conta uma série de outras circunstâncias, o que implica em admitir que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto", tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni. (grifo nosso).
Ainda a propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano:  
“Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. (...) “O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material.”              
Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci: “Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, - estas excepcionais por natureza.
Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.”
Destarte, quanto ao início do cumprimento do regime de pena, após esta decisão, o apenado terá direito ao benefício (a princípio, pois será necessário aferir-se quanto ao seu “merecimento”), que nada obstante não ter sido proferida quando do controle concentrado de constitucionalidade, teve efeito (ou deveria tê-lo) erga omnes.
Não sendo diferente o caso do paciente em questão, que tem o merecido direito em dar inicio ao cumprimento de sua reprimenda imposta no regime diferente do fechado ou seja o menos gravoso, neste caso sob os rigores do regime aberto, pois assim a Lei dispõe.
Portanto, pode-se dizer que a ordem de habeas corpus será expedida desde que presentes dois requisitos: uma ameaça de coação ao direito de locomoção; a ilegalidade dessa ameaça. Faz-se necessária uma análise separada de cada um desses requisitos, como forma de demonstrar sua presença no caso do concreto.  
A constituição não pode ser instrumento, que vise eliminar direito. Mas sim, consiste em demonstrar que a ordem jurídica deve ser respeitada. Os direitos e interesses do indivíduo as doutrinas emanadas da Carta Magna, aquilo que ela contém deve ser respeitada.
Em resumo o Supremo Tribunal Federal, após análise do Habeas Corpus nº 111.840-ES, por nove votos a três, entendeu que a determinação de regime inicial obrigatoriamente fechado para tráfico de entorpecentes é inconstitucional por violar o princípio da individualização da pena, devendo ser aplicada a regra geral do artigo 33 do CPB, por estes e outros motivos se faz matéria julgada de justiça o presente Mandamus, para o início do cumprimento da pena no regime aberto.
DAS SUMULAS 718 E 719 DO STF
Súmula 718, do STF, posta nos seguintes termos:
“A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para imposição de regime mais severo do que o permite segundo a pena aplicada”
Ademais a mesma decisão, também maltratava a Súmula 719, do mesmo Sodalício, vazada nos seguintes termos:
“A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”
Outrossim, a individualização da pena é a concretização da isonomia, pois implica em tratamento diferenciado a situações e pessoas diferentes, na medida das suas respectivas diferenças.
Assim, a Lei de Tortura permite o regime inicial aberto para o crime (Lei nº 9.455/97, art. 1º, 2º), sendo certo ainda que a mesma não veda diretamente o indulto e permite, para o crime em comento, a fixação do regime inicial aberto ou semiaberto.
            Ha já comprovado em nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Jurisprudencialmente em favor do pleito requerido, matéria de indubitável JUSTIÇA:
 
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA. 1) PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO.  Impõe-se a confirmação da condenação, estando devidamente comprovadas a autoria e materialidade do crime de tortura, em continuidade delitiva, quando a palavra da vítima apresenta-se coerente e harmônica com o acervo probatório. 2) DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE. Não há que se falar em desclassificação para o artigo 129 do Código Penal, quando a vítima foi submetida a intenso sofrimento físico e mental, por atos de inaceitável, abusiva e desnecessária crueldade. 3) REDUÇÃO DE PENA E MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. Constatado que a quase totalidade das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal são fundamentadamente favoráveis, impõe-se a fixação da pena base abaixo da semissoma dos extremos cominado ao tipo penal, suficiente para a reprovação e prevenção do crime, com a consequente alteração do regime para o semiaberto, nos termos do artigo 33 do Código Penal. 4) SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. Impossível a substituição da pena corpórea por pena restritivas de direitos quando o crime é cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, nos termos do que preconiza o inciso I do artigo 44 do Código Penal. 5) PRESCRIÇÃO RETROATIVA DECLARADA. Transcorrido entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença mais de oito anos, declara-se extinta a punibilidade dos agentes pelo advento da prescrição retroativa, nos termos dos artigos 109, V, e 107, IV, do Código Penal. 6) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO E DE OFÍCIO DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 165042-29.2001.8.09.0006, Rel. DES. EDISON MIGUEL DA SILVA JR, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 08/08/2013, DJe 1365 de 15/08/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA MAUS-TRATOS. IVIABILIDADE. PENA REDIMENSIONADA. ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO.  1) No delito de maus-tratos a finalidade do agente com o castigo imposto é a educação, o ensino, o tratamento ou a custódia da vítima; se a finalidade do agente não tem outro móvel senão fazer sofrer, por qualquer sentimento vil, a conduta encontra melhor adequação típica no crime de tortura (Art. 1º, II, c/c §4º, II, da Lei nº 9.455/97).  2) As circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, quando elementares do tipo, não podem desfavorecer o réu para a fixação da pena-base.3 - Considerando o quantum da pena fixada em definitivo (04 anos, 05 meses e 10 dias), o fato de o apelante não ser reincidente e as circunstâncias judiciais, que não lhes são totalmente desfavoráveis, a modificação do regime de expiação para o semiaberto é medida que se impõe. Recurso conhecido e parcialmente provido para readequação da pena privativa de liberdade.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 210818-49.2012.8.09.0044, Rel. DES. NICOMEDES DOMINGOS BORGES, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 02/07/2013, DJe 1358 de 06/08/2013)

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. INADMISSIBILIDADE. PENA BASE. EXACERBAÇÃO PELA QUANTIDADE DE DROGAS. ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. CABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. POSSIBILIDADE. 1- Resultando, das provas dos autos,  a certeza da conduta ilícita do processado, pertinente à prática do crime de tráfico ilícito de drogas, não sobra espaço ao pronunciamento jurisdicional absolutório ou desclassificatório, devendo ser mantida a sentença condenatória. 2- Nos termos estabelecidos no artigo 42, da Lei Antidrogas, a pena base, no crime de tráfico de drogas, deve ser fixada levando-se em consideração a natureza e a quantidade da droga apreendida, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Repressivo. 3. O Plenário do STF, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/1990, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. 4- Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quando atendidos os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo artigo 44 ,do Diploma Repressivo. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Alterado, de ofício, o regime prisional para o aberto.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 76464-66.2012.8.09.0051, Rel. DES. J. PAGANUCCI JR., 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 25/04/2013, DJe 1309 de 23/05/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA. PRELIMINAR DE NULIDADE. ABSOLVIÇÃO IN DUBIO PRO REO. PALAVRA DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA. ALTERADO, DE OFÍCIO, O REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA PARA O ABERTO. 1) Tratando-se de crime de tortura, que normalmente é praticado às escondidas, a palavra da vítima ganha sobrelevada importância, especialmente quando suas declarações colhidas em Juízo são harmônicas com seus relatos extrajudiciais e demais elementos de convicção produzidos no decorrer da persecução penal. 2) Se as provas contidas no caderno processual são suficientes para comprovar a materialidade e autoria do delito de tortura, inaplicável ao caso o princípio in dubio pro reo. 3) Depreende-se da jurisprudência do STF que, da mesma forma como já ocorre ao delito de tráfico, é permitida a aplicação do regime aberto ao condenado por crime de tortura, desde que ele possua circunstâncias judiciais favoráveis e seja tecnicamente primário, como ocorre no caso em tela, considerando o quantum da pena fixada. 4) Recurso conhecido e improvido, alterando-se, de ofício, o regime de pena aplicado para o aberto.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 447793-21.2007.8.09.0090, Rel. DR. LILIA MONICA C.B.ESCHER, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 19/03/2013, DJe 1289 de 24/04/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. CABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. POSSIBILIDADE. 1- O Plenário do STJ, no julgamento do HC 111.840/ES, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/1990, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. 2- Não subsiste empecilho à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos aos condenados pelos crimes descritos no art. 33, caput, e § 1º, e 34 a 37 da Lei de Antidrogas, após o Plenário do STF declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos termos do art. 44 da Lei nº 11.343/06 que vedam o benefício. 3- Recurso conhecido e provido para alterar o regime para o aberto e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 277054-12.2011.8.09.0175, Rel. DES. J. PAGANUCCI JR., 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 12/03/2013, DJe 1270 de 25/03/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. PEDIDO PREJUDICADO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL OBTIDA  MEDIANTE TORTURA. PROVA ILÍCITA. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ATO CONFESSIONAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA COMPARTILHAMENTO EVENTUAL DE DROGAS (ART. 33, § 3º, LEI 11.343/06). FORNECIMENTO FREQUENTE. CONFIGURAÇÃO DA MINORANTE DO § 4º DO ART. 33 EM SUA MAIOR FRAÇÃO. DIMINUIÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA, DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS ALTERNATIVAS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS (ART. 44, CP). ALTERAÇÃO DE REGIME, DO FECHADO PARA O ABERTO. PROVIDÊNCIAS IMPLEMENTADAS DE IMPULSO OFICIAL. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. DE OFÍCIO,  SUAVIZADA A PENA PECUNIÁRIA, ALTERADO, DO FECHADO PARA O  ABERTO, O REGIME INICIAL DE EXPIAÇÃO E CONVERTIDA A REPRIMENDA CORPÓREA POR DUAS MEDIDAS ALTERNATIVAS, A SEREM ELEITAS PELO JUÍZO DE EXECUÇÕES PENAIS.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 159563-15.2011.8.09.0003, Rel. DR(A). JAIRO FERREIRA JUNIOR, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 25/10/2012, DJe 1198 de 05/12/2012)
REDIMENSIONAMENTO DE REGIME PARA O SEMIABERTO
APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE TORTURA EM CONCURSO DE PESSOAS. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. INÉPCIA PELA NÃO INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS RÉUS. Não é inepta a denúncia que apresenta a qualificação dos réus, rol de testemunhas, classificação do crime e descreve suficientemente os fatos (art. 41, do CPP), possibilitando o exercício do direito de defesa, sendo admissível a narrativa genérica do fato, em crimes cometidos mediante concurso de agentes, não se exigindo que a denúncia descreva detalhadamente a conduta de cada réu. 2 - CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. Improcede o pleito de nulidade por cerceamento de defesa em razão de indeferimento de pedido de exame complementar para verificação da ocorrência de sequelas nas vítimas, vez que sequer foram denunciados por tortura qualificada e, demais, disso, já passados 08 (oito) anos dos fatos. 3 - ABSOLVIÇÃO. IN DUBIO PRO REO. INVIABILIDADE. Não há que se falar em absolvição do delito de tortura, quando resta provado que o sofrimento físico infligido às vítimas foi empregado como forma de obter informações e confissões, pelos policiais que as abordaram e as prenderam, usando do poder de autoridade. 4 - REANÁLISE DAS PENAS, DE OFÍCIO. Observada a exacerbação na fixação das penas-bases fundamentadas na análise equivocada das circunstâncias judiciais, a mitigação das reprimendas é medida que se impõe, ainda que de ofício, por se tratar de matéria de ordem pública. 5 - REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. Considerando o quantum da pena fixada em definitivo (0 4 anos, 10 meses e 24 dias), o fato de os apelantes não serem reincidentes e as circunstâncias judiciais, que não lhes são totalmente desfavoráveis, a modificação do regime de expiação para o semiaberto é medida que se impõe.  6 - PERDA DA FUNÇÃO.  É competência da justiça comum decretar, como consequência da condenação, a perda da patente e do posto de oficial da Polícia Militar, tal como previsto no artigo 1º, § 5º, da Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97), por não se tratar de hipótese de crime militar. 7 - PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS DO CRIME DE TORTURA. Considerando que a sentença proferida encontra-se em total harmonia com os princípios constitucionais, o prequestionamento somente pode ser admitido para assegurar a interposição de futuro recurso em instância superior. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS E, DE OFÍCIO, REDIMENSIONADAS AS PENAS, ALTERANDO-SE, AINDA, O CUMPRIMENTO DA PENA, PARA O REGIME SEMIABERTO.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 179052-11.1999.8.09.0051, Rel. DES. AVELIRDES ALMEIDA PINHEIRO DE LEMOS, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 17/01/2012, DJe 1011 de 27/02/2012)