Sempre
o juiz que presidiu a instrução
Deverá
ser aquele a sentenciar o feito.
Embora o
princípio da identidade física do juiz já fizesse parte de nosso sistema
jurídico enquanto corolário do devido processo, apenas com a Lei 11.719/2008
veio a ingressar expressamente nosso Código de Processo Penal.
Antes, não
eram poucos os doutrinadores a denunciar a absoluta incoerência de existir
previsão expressa de tal princípio no âmbito do processo cível, e não no
processo criminal, justamente aquele no qual se arrisca o principal bem da
vida, que é a liberdade.
Com efeito,
referido princípio surge como importante garantia processual penal,
potencializando o exercício da ampla defesa na medida em que permite que o juiz
que proferirá a sentença tenha contato imediato com toda a prova, colhendo
pessoalmente todos os depoimentos.
É que tais
atos não se fazem apenas das palavras que são empregadas, ou do teor das
respostas dadas, mas de um sem número de outros códigos, tais como a linguagem
corporal, a entonação da voz, as pausas, a força do olhar, entre outros, que
também influenciam a convicção do juiz. Por isso, se afirma: É direito do
acusado ser interrogado precisamente por aquela pessoa que será responsável
pelo seu veredicto.
A
jurisprudência pátria, dando ao tema sua devida importância, reconheceu que o
desrespeito à nova redação dada ao artigo 399, parágrafo 2º do Código de
Processo Penal caracteriza nulidade de natureza absoluta o seu desrespeito
(neste sentido, vide Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, HC Ag Rg no Resp
681149, Relator Ministro, Celso Limongi, DJ de 19/04/2010).
Vai-se além:
o Código de Processo Penal não fez qualquer ressalva quanto às hipóteses de
cessação de jurisdição que admitem o afastamento do princípio da identidade
física do juiz nos processo de natureza cível, tais como as de convocação,
licenciamento, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria
(artigo 132 do Código de Processo Civil), isso porque, no processo penal, dada
a relevância dos interesses envolvidos, não é possível flexibilizar a garantia
recém conquistada. Isto quer dizer
que a regra não admite exceção: sempre o juiz que presidiu a instrução
deverá ser aquele a sentenciar o feito e, diante da ocorrência de quaisquer das
hipóteses do artigo 132 do CPC, a instrução sempre deverá ser reproduzida, com
a realização de nova audiência de instrução e julgamento, diferentemente do que
ocorre no processo civil, em que a reprodução das provas é uma faculdade
(parágrafo único). Aliás, a própria concentração dos atos, com a previsão da
produção de toda a prova em uma única audiência, viabiliza a celeridade
necessária para que não ocorram com frequência estas mudanças no quadro de
Magistrados de uma Comarca, e, em ocorrendo, permite a rápida reprodução da
instrução, sem prejuízo à duração do processo.
Não obstante
tais considerações, por inúmeras vezes se percebe que, ante a especialização de
Varas Criminais, o juiz que presidiu a instrução acaba sendo substituído pelo
novo juiz competente. Tal passo, com o devido respeito às necessidades
organizacionais do Poder Judiciário, não pode prosperar.
Primeiro: como a especialização da Vara
não figura entre as hipóteses legais de afastamento do referido princípio, o
ato em questão está conflitando, evidentemente, com expressa disposição de lei.
Segundo: a declinação de competência
para uma Vara Especializada, sem, contudo, renovação dos atos instrutórios,
importa em restrição de garantia processual do Acusado!
O órgão
Plenário do Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se pronunciar
sobre a questão ao analisar, em ação direta de inconstitucionalidade interposta
contra lei estadual alagoana, que cuidava da especialização de Varas,
exatamente como no presente caso.
Ao enfrentar
o artigo 14 desta lei, que determinava que as
ações penais já em andamento não poderão, em nenhuma hipótese, ser
redistribuídas, a nossa Corte constitucional ressaltou que a norma
era constitucional nesse ponto, tendo em vista que, em respeito ao princípio da
identidade física do juiz, vigente em nosso sistema processual penal, impedia o
julgamento do feito por Magistrado diverso daquele que acompanhou a instrução.
Ressaltou, na
ocasião, que ninguém
poderia ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato,
ainda, que o postulado do
juiz natural limitaria os poderes do Estado, que ficaria impossibilitado de
instituir juiz ad hoc e
que de forma diversa,
ter-se-ia tribunal de exceção. A conclusão dos Eminentes Ministros
foi, ao final, a de que ante
a vedação de juízes post
factum, remanesceriam os
autos na competência dos órgãos judiciários existente à época em que sobreviera
esta lei estadual.
Desta forma,
flagrante a nulidade do feito que, por força de sua redistribuição a uma Vara
Especializada, seja sentenciado por Juiz que não aquele que tenha presidido a
instrução. Das duas uma: ou tornam os autos para que o Magistrado que instruiu
o processo retome o feito, sentenciando-o, ou reproduzem-se todos os atos
perante o novo juiz, para que possa proferir a sentença após ter o devido
contato pessoal com toda a prova oral, especialmente com o Acusado, por ocasião
de novo interrogatório, agora ao final do procedimento, como manda a lei.
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