UPPS e programas de orientação “comunitária”
Afinal, a efetividade do controle social informal e suas sanções condicionam sempre o rendimento das instâncias de controle social formal e a eficácia dissuasória das penas [2].
O controle social informal (família, escola, fábrica etc.) e controle social formal (direito penal, direito administrativo etc.) integram um mecanismo unitário, total, indivisível, cujas instâncias e sanções se condicionam e se complementam reciprocamente [3].
Não se pode esquecer que, para o infrator potencial, muito mais do que a avaliação do risco de ser preso e punido, influenciariam a vinculação subjetiva do cidadão com a norma, isto é, a vivência por ele de sua carga moral associada à censura do ato, a freqüência do cometimento do delito no círculo de parentes e conhecidos do infrator e a reação informal que este espera em seu entorno próximo [4].
A prevenção do delito é um problema de todos. O controle social informal tem perdido efetividade como conseqüência da progressiva incorporação da mulher ao mercado de trabalho, da precariedade do emprego, do crescente poder econômico, autonomia e liberdade do mundo juvenil, a massificação escolar etc. Mas também acontece o mesmo com o controle social formal, incapaz de dar resposta com sua atual estrutura, dotações e custos a um problema social cujos índices alcançam níveis preocupantes, em boa parte em razão das novas oportunidades que a mudança econômica, social e tecnológica enseja ao infrator [5].
Neste novo contexto, entre os possíveis programas de prevenção da criminalidade que são propostos, destacam-se os de orientação “comunitária”, que têm como premissa o fato de o crime ser um “problema comunitário”, com raízes sociais.
Compete, pois, não apenas aos órgãos públicos, como a polícia, combatê-lo, mas à comunidade como um todo. Defende-se uma “prevenção comunitária”, uma “polícia comunitária” e uma “justiça comunitária”.
Já não se pode compreender a prevenção do crime no sentido “policial”, nem sequer “situacional”, desligada da comunidade. A prevenção é prevenção comunitária, se faz “na” comunidade e é “da” comunidade. Trata-se de uma prevenção “integradora”, “inclusiva”, que rejeita o castigo e propõe alternativas reconciliatórias e de reforma social.
Seus diversos programas e planos de ação têm profundo sentido social, pois são precisamente as áreas mais pobres e desorganizadas da cidade as que dispõem de menos recursos para enfrentar o problema do delito.
Além da criação de organizações vizinhas com o objeto de revitalizar bairros urbanos e resolver os problemas sociais locais (ex: moradia), podemos citar concretamente medidas como a criação do Conselho de Justiça Comunitária de Austin, no Texas.
Não se deve confundir, porém, a prevenção comunitária e a polícia de base comunitária, corretamente entendida, com a participação direta e veemente dos cidadãos ou entidades privadas, como associações de bairro e de vítimas, na luta e controle da criminalidade, ou seja, com o giro “privatizador” que propõe o denominado “modelo da seguridade ou da segurança cidadã"[6].
Tendo em vista que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro, estão sendo instaladas em comunidades carentes de serviços básicos de cidadania, que a maioria dos crimes violentos ocorre entre pessoas que se conhecem e que, segundo pesquisa do Disque-Denúncia, o maior número de denúncias dos moradores de áreas pacificadas, após a pacificação, refere-se a brigas conjugais e de vizinhos, é importante e bem vindo, em termos de prevenção do crime, o acordo assinado entre o Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Governo do Estado, junto a outros órgãos do Judiciário, para a instalação de Núcleos de Justiça nas UPPs.
Os Núcleos de Justiça irão concentrar serviços de diversos órgãos do Judiciário, como os núcleos de mediação comunitários e de conscientização de direitos, assistência jurídica integral e gratuita e juizados especiais.
O projeto dos núcleos de Justiça foi dividido em duas etapas: a capacitação de lideranças comunitárias para exercer mediação e conciliação de conflitos e a articulação de acordos de cooperação com os órgãos integrantes do Sistema de Justiça, como a Defensoria Pública da União, as Defensorias Públicas estaduais e o Conselho Nacional de Justiça.
A meta da iniciativa, articulada pela Secretaria de Reforma do Judiciário e pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do Rio de Janeiro, é expandir o diálogo junto com o Ministério da Previdência e bancos federais, para que eles levem seus serviços nesses mesmos locais onde estão sendo ofertados os atendimentos jurídicos [7].
O Complexo do Alemão, já ocupado, mas ainda não “pacificado”, também será contemplado com o núcleo [8].
Desentendimentos por causa de dívidas, brigas de vizinhos ou casais e até disputas de áreas de servidão tinham como destino a porta do chefe do tráfico do morro, a quem cabia resolver as questões. Agora, nas favelas pacificadas, as partes se sentam à mesa com um PM.
Para isso, os policiais passaram por 32 horas de aulas teóricas e práticas no TJ, inclusive assistindo a sessões de conciliação no Fórum. De um total de 120 PMs pré-selecionados, 27 foram escolhidos para frequentar as aulas, por terem o perfil de mediadores. A proposta da coordenação das UPPs é deixar uma média de três mediadores por unidade, o que atualmente daria 42. Outra turma começará a ser treinada em março de 2011.
A favela do Morro da Formiga, na Tijuca, foi a primeira a ter o serviço de mediação. Segundo um dos moradores, “antes da UPP, eu resolvia os problemas por mim mesmo e depois informava aos bandidos. Agora, recorro ao poder público”.
De acordo com o policial que realiza as mediações, o serviço é importante para evitar brigas, lesões corporais e seu trabalho acaba sendo preventivo.
Atualmente, 12 das 14 UPPs têm o serviço de mediação. Só as dos morros dos Macacos, em Vila Isabel, e São João, no Engenho Novo, ainda não dispõem de policiais treinados para esse serviço.
Segundo o subcoordenador de Pesquisas e Ensino da Coordenadoria de Polícia Pacificadora, major Eliézer de Oliveira Farias, o convênio com o Tribunal de Justiça foi de extrema importância para qualificar os mediadores.
Antes do curso, os PMs já eram procurados para solucionar conflitos, mas não tinham embasamento técnico [9].
De acordo com o então Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, essa iniciativa leva a essas comunidades uma série de serviços públicos dos quais estavam privadas em razão do domínio imposto pelo crime organizado. A oferta de acesso à justiça contribuirá para a redução dos conflitos e a efetivação de direitos, com impacto direto na redução da violência e no enfrentamento da exclusão social.
São parceiros nesse projeto o Conselho Nacional de Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Presidência da República, a Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro, a Defensoria Pública da União, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 2º Região, o Tribunal Regional do Trabalho da 1º Região e o Instituto Innovare.
O acordo de cooperação prevê ainda a implantação de práticas inovadoras do sistema de justiça nessas comunidades, como o Projeto Justiça Comunitária, premiado na II edição do Prêmio Innovare, os Projetos Balcão de Direitos, DPU nas Escolas, DPU-Itinerante, Justiça Itinerante, Justiça pelos Jovens, Juizados Especiais e Ônibus da Cidadania.
O acordo está inserido no contexto do Projeto UPP Social, coordenado pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Rio de Janeiro, que pretende levar serviços públicos às comunidades pacificadas pelas UPPs [10].
O Projeto UPP Social está no caminho correto. Resta saber se o poder público vai mantê-lo e, além disso, se vai conseguir mobilizar a população no sentido de transformá-lo em um sucesso.
[2] Ibid. P. 344.
[3] Ibid. P. 346.
[4] Ibid. P. 350.
[5] Ibid. P. 358.
[6] Ibid. P. 376-377.
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