Faculdade Lions
4º Período Matutino
Aluno I.A.Matos
A Lei nº
12.015, de 07 de agosto de 2009, provocou profundas reformas no Título
VI da Parte Especial do Código Penal, na Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes
Hediondos) e na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
O presente artigo pretende analisar, de forma bastante sucinta, a atual
disciplina da ação penal dos crimes previstos nos capítulos I e II do
referido Título VI da Parte Especial do Código Penal após o advento da
novel legislação.
Antes deste marco legislativo, os então chamados crimes contra os costumes estavam submetidos, em regra, à ação penal privada (artigo 225, caput, do Código Penal). Apenas excepcionalmente é que tais crimes seriam de ação penal pública, ora incondicionada (se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, nos termos do artigo 225, § 1º, inciso II, do Código Penal; ou se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte, com base no artigo 223 do Código Penal), ora condicionada à representação do ofendido (se a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, consoante o artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal).
A doutrina, à época, entendia que a intenção do Código em estabelecer como regra geral a ação penal privada para os crimes contra os costumes era a de evitar o que ficou conhecido como strepitus iudicci, o "[...] escândalo provocado pelo ajuizamento da ação penal [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116), com a finalidade de "[...] evitar a produção de novos danos em seu patrimônio – moral, social, psicológico etc. – diante de possível repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116).
Destarte, de um modo geral, a doutrina não concordava com a regra aqui exposta. Com efeito, alegava-se que não era lógico permitir que a decisão sobre o início da persecução penal ficasse exclusivamente nas mãos do particular considerando que alguns crimes contra os costumes eram de extrema gravidade, notadamente os crimes de estupro (artigo 213) e atentado violento ao pudor (artigo 214), com pena máxima abstratamente cominada de 10 (dez) anos de reclusão. Em situações como essas, era nítido o interesse público na devida punição dos agentes delitivos, o que deveria autorizar o Estado, por meio do Ministério Público, a deflagrar a ação penal. Nesse contexto, é conveniente relembrar que esses crimes eram considerados crimes hediondos (artigo 1º, incisos V e VI, da Lei nº 8.072/90), tanto na sua forma simples como na sua forma qualificada, conforme posicionamento do STF (HC nº 81.288/SC). Aliás, o próprio STF, no julgamento do HC nº 81.360/RJ, chegou a afirmar que o estupro, por suas características de aberração e de desrespeito à dignidade humana, seria um problema de saúde pública.
Nesse trilhar, como assevera Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 123), se a preocupação do Estado fosse realmente com os efeitos danosos que porventura pudessem atingir a vítima desses crimes pela divulgação dos fatos, "[...] bastaria que a lei os submetesse à persecução penal pública, condicionada à autorização da vítima ou seu representante legal".
Ademais, a regra da ação penal privada para os crimes contra os costumes poderia levar a absurdos absolutamente indesejáveis, a exemplo de um estupro ou mesmo de um atentado violento ao pudor praticado contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal não deixando sucessores (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão – art. 31 CPP), ensejando a perempção desta ação (artigo 60, inciso II, do Código de Processo Penal), a extinção da punibilidade do querelado (artigo 107, inciso, IV, do Código Penal) e, via de consequência, a impunidade de um fato gravíssimo.
É certo que o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de consertar essa distorção e por motivos exclusivamente de política criminal, editou a Súmula nº 608, segundo a qual "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".
Não obstante, o problema ainda persistia, pois, se o crime de estupro fosse praticado com violência presumida e contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal privada sem deixar sucessores, o agente do delito seria igualmente beneficiado pela extinção da sua punibilidade, ficando o fato mais uma vez impune.
O legislador teve uma ótima oportunidade de encerrar com essa aberração com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, que provocou algumas alterações nos crimes contra os costumes – entre elas a revogação (tardia) do crime de adultério –, o que acabou não ocorrendo.
Felizmente, 4 (quatro) anos depois, eis que surge a Lei nº 12.015/09 atendendo a todos esses reclamos da doutrina e consagrando, no artigo 225, caput, do Código Penal, como regra geral, a ação penal pública condicionada à representação do ofendido para os agora chamados crimes contra a dignidade sexual (expressão, inclusive, que afasta a carga moralista da antiga expressão "crimes contra os costumes", sendo mais consentânea com os tempos hodiernos e atenta ao verdadeiro bem jurídico tutelado, a dignidade sexual, vertente da dignidade humana insculpida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal). Nesse ponto, portanto, andou bem o legislador.
Desse modo, a partir de agora, continua-se respeitando a vontade da vítima do crime, mas ela não precisa tomar à frente do pólo ativo da demanda, expondo-se ainda mais, já que a ação penal será oferecida pelo Ministério Público. Frise-se ainda que a persecução penal estará mais fortalecida, afinal de contas o Ministério Público possui prerrogativas públicas que não estão disponíveis para o particular.
Excepcionando a regra do caput do artigo 225 do Código Penal, o parágrafo único deste dispositivo legal dispõe ser a ação penal pública incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Apesar do ponto positivo alhures mencionado, não há que se olvidar que a novel legislação desperta algumas questões nebulosas, que merecem ser a seguir respondidas.
Antes deste marco legislativo, os então chamados crimes contra os costumes estavam submetidos, em regra, à ação penal privada (artigo 225, caput, do Código Penal). Apenas excepcionalmente é que tais crimes seriam de ação penal pública, ora incondicionada (se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, nos termos do artigo 225, § 1º, inciso II, do Código Penal; ou se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte, com base no artigo 223 do Código Penal), ora condicionada à representação do ofendido (se a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, consoante o artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal).
A doutrina, à época, entendia que a intenção do Código em estabelecer como regra geral a ação penal privada para os crimes contra os costumes era a de evitar o que ficou conhecido como strepitus iudicci, o "[...] escândalo provocado pelo ajuizamento da ação penal [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116), com a finalidade de "[...] evitar a produção de novos danos em seu patrimônio – moral, social, psicológico etc. – diante de possível repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116).
Destarte, de um modo geral, a doutrina não concordava com a regra aqui exposta. Com efeito, alegava-se que não era lógico permitir que a decisão sobre o início da persecução penal ficasse exclusivamente nas mãos do particular considerando que alguns crimes contra os costumes eram de extrema gravidade, notadamente os crimes de estupro (artigo 213) e atentado violento ao pudor (artigo 214), com pena máxima abstratamente cominada de 10 (dez) anos de reclusão. Em situações como essas, era nítido o interesse público na devida punição dos agentes delitivos, o que deveria autorizar o Estado, por meio do Ministério Público, a deflagrar a ação penal. Nesse contexto, é conveniente relembrar que esses crimes eram considerados crimes hediondos (artigo 1º, incisos V e VI, da Lei nº 8.072/90), tanto na sua forma simples como na sua forma qualificada, conforme posicionamento do STF (HC nº 81.288/SC). Aliás, o próprio STF, no julgamento do HC nº 81.360/RJ, chegou a afirmar que o estupro, por suas características de aberração e de desrespeito à dignidade humana, seria um problema de saúde pública.
Nesse trilhar, como assevera Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 123), se a preocupação do Estado fosse realmente com os efeitos danosos que porventura pudessem atingir a vítima desses crimes pela divulgação dos fatos, "[...] bastaria que a lei os submetesse à persecução penal pública, condicionada à autorização da vítima ou seu representante legal".
Ademais, a regra da ação penal privada para os crimes contra os costumes poderia levar a absurdos absolutamente indesejáveis, a exemplo de um estupro ou mesmo de um atentado violento ao pudor praticado contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal não deixando sucessores (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão – art. 31 CPP), ensejando a perempção desta ação (artigo 60, inciso II, do Código de Processo Penal), a extinção da punibilidade do querelado (artigo 107, inciso, IV, do Código Penal) e, via de consequência, a impunidade de um fato gravíssimo.
É certo que o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de consertar essa distorção e por motivos exclusivamente de política criminal, editou a Súmula nº 608, segundo a qual "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".
Não obstante, o problema ainda persistia, pois, se o crime de estupro fosse praticado com violência presumida e contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal privada sem deixar sucessores, o agente do delito seria igualmente beneficiado pela extinção da sua punibilidade, ficando o fato mais uma vez impune.
O legislador teve uma ótima oportunidade de encerrar com essa aberração com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, que provocou algumas alterações nos crimes contra os costumes – entre elas a revogação (tardia) do crime de adultério –, o que acabou não ocorrendo.
Felizmente, 4 (quatro) anos depois, eis que surge a Lei nº 12.015/09 atendendo a todos esses reclamos da doutrina e consagrando, no artigo 225, caput, do Código Penal, como regra geral, a ação penal pública condicionada à representação do ofendido para os agora chamados crimes contra a dignidade sexual (expressão, inclusive, que afasta a carga moralista da antiga expressão "crimes contra os costumes", sendo mais consentânea com os tempos hodiernos e atenta ao verdadeiro bem jurídico tutelado, a dignidade sexual, vertente da dignidade humana insculpida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal). Nesse ponto, portanto, andou bem o legislador.
Desse modo, a partir de agora, continua-se respeitando a vontade da vítima do crime, mas ela não precisa tomar à frente do pólo ativo da demanda, expondo-se ainda mais, já que a ação penal será oferecida pelo Ministério Público. Frise-se ainda que a persecução penal estará mais fortalecida, afinal de contas o Ministério Público possui prerrogativas públicas que não estão disponíveis para o particular.
Excepcionando a regra do caput do artigo 225 do Código Penal, o parágrafo único deste dispositivo legal dispõe ser a ação penal pública incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Apesar do ponto positivo alhures mencionado, não há que se olvidar que a novel legislação desperta algumas questões nebulosas, que merecem ser a seguir respondidas.
1ª Questão: O que se entende por crime praticado contra vulnerável?
Os crimes contra a dignidade sexual são aqueles crimes previstos nos capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal. O capítulo I trata dos crimes contra a liberdade sexual, englobando os crimes de estupro (artigo 213), violência sexual mediante fraude (artigo 215) e assédio sexual (artigo 216-A). Já o capítulo II disciplina os crimes contra vulnerável, envolvendo os crimes de estupro de vulnerável (artigos 217-A e 218), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (artigo 218-A) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B).
Portanto, crime praticado por vulnerável, na verdade, é qualquer um dos crimes previstos nos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal. Por conta disso, em apertada síntese, pode-se entender como vulnerável o menor de 14 (catorze) anos de idade (artigos 217-A, 218 e 218-A) ou o menor de 18 (dezoito) anos submetido, induzido ou atraído à prostituição ou aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato (artigo 218-B). Como pode se ver, as hipóteses de definição do indivíduo vulnerável são muito semelhantes às situações que caracterizavam a vítima de violência presumida, outrora definidas no hoje revogado artigo 224 do Código Penal (aliena "a", menor de 14 anos; alínea "b", pessoa alienada ou débil mental; alínea "c", pessoa que não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência). (enquadram-se agora no Art. 217-A não existe mais ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA)
Por fim, saliente-se que, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 62), com a tutela ao vulnerável, "[...] elimina-se a discussão sobre o estado de pobreza da pessoa ofendida [...]", antigamente requisito indispensável para possibilitar a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, consoante o antigo artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal.
Os crimes contra a dignidade sexual são aqueles crimes previstos nos capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal. O capítulo I trata dos crimes contra a liberdade sexual, englobando os crimes de estupro (artigo 213), violência sexual mediante fraude (artigo 215) e assédio sexual (artigo 216-A). Já o capítulo II disciplina os crimes contra vulnerável, envolvendo os crimes de estupro de vulnerável (artigos 217-A e 218), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (artigo 218-A) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B).
Portanto, crime praticado por vulnerável, na verdade, é qualquer um dos crimes previstos nos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal. Por conta disso, em apertada síntese, pode-se entender como vulnerável o menor de 14 (catorze) anos de idade (artigos 217-A, 218 e 218-A) ou o menor de 18 (dezoito) anos submetido, induzido ou atraído à prostituição ou aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato (artigo 218-B). Como pode se ver, as hipóteses de definição do indivíduo vulnerável são muito semelhantes às situações que caracterizavam a vítima de violência presumida, outrora definidas no hoje revogado artigo 224 do Código Penal (aliena "a", menor de 14 anos; alínea "b", pessoa alienada ou débil mental; alínea "c", pessoa que não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência). (enquadram-se agora no Art. 217-A não existe mais ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA)
Por fim, saliente-se que, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 62), com a tutela ao vulnerável, "[...] elimina-se a discussão sobre o estado de pobreza da pessoa ofendida [...]", antigamente requisito indispensável para possibilitar a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, consoante o antigo artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal.
2ª Questão: Os crimes praticados contra vulnerável são
de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação do
ofendido?
Quanto à ação penal dos crimes praticados contra vulnerável, a Lei nº 12.015/09 apresenta uma aparente contradição, senão vejamos. O caput do artigo 225 do Código Penal atualmente apregoa que os crimes definidos nos capítulos I e II do Título VI são de ação penal pública condicionada à representação. Lembre-se que, como visto no item anterior, os crimes praticados contra vulnerável estão previstos justamente no capítulo II. Portanto, a princípio, eles também seriam de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. De outro lado, porém, o parágrafo único do artigo 225, com sua nova redação, determina que os crimes praticados contra vulnerável são de ação penal pública incondicionada. Nesse aparente conflito, afinal de contas, qual regra deve prevalecer?
Em uma interpretação sistemática e atenta ao espírito do legislador de punir com maior rigor obviamente as condutas mais graves, entende-se que apenas os crimes previstos no capítulo I do Título VI (crimes contra a liberdade sexual) é que serão de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Para os crimes tipificados no capítulo II (crimes contra vulnerável), a ação penal deverá ser pública incondicionada.
Quanto à ação penal dos crimes praticados contra vulnerável, a Lei nº 12.015/09 apresenta uma aparente contradição, senão vejamos. O caput do artigo 225 do Código Penal atualmente apregoa que os crimes definidos nos capítulos I e II do Título VI são de ação penal pública condicionada à representação. Lembre-se que, como visto no item anterior, os crimes praticados contra vulnerável estão previstos justamente no capítulo II. Portanto, a princípio, eles também seriam de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. De outro lado, porém, o parágrafo único do artigo 225, com sua nova redação, determina que os crimes praticados contra vulnerável são de ação penal pública incondicionada. Nesse aparente conflito, afinal de contas, qual regra deve prevalecer?
Em uma interpretação sistemática e atenta ao espírito do legislador de punir com maior rigor obviamente as condutas mais graves, entende-se que apenas os crimes previstos no capítulo I do Título VI (crimes contra a liberdade sexual) é que serão de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Para os crimes tipificados no capítulo II (crimes contra vulnerável), a ação penal deverá ser pública incondicionada.
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